Deixemos os presídios para quem mata ou rouba dinheiro público, não para quem precisa de tratamento médico
Dos 15 aos 20 e poucos anos, fumei maconha pelo menos uma vez por semana. Confesso que nem achava muito bom, era o típico cara que fuma só porque está todo mundo fumando; ficava mais confuso do que relaxado, sem saber se punha as mãos nos bolsos ou cruzava os braços, se ia ouvir Pink Floyd no escuro ou comer melancia com ketchup. Finda a adolescência, percebi que a cannabis não era mesmo a minha e parei. Não tive que tomar nenhuma atitude drástica, reunir força de vontade, buscar ajuda: simplesmente deixei de usar e não senti a menor falta.
Não estou dizendo que maconha não vicia. Entre os vários amigos meus que a consomem regularmente um é viciado. É advogado tributarista, casado, pai carinhoso e fuma umas duas vezes por dia. Compare-o a um alcoólatra e fica claro que, mesmo no pior cenário, os males da maconha são menos graves do que os de uma droga lícita.
Não estou afirmando, tampouco, que a maconha não faz mal. Certamente esse amigo que fuma diariamente tem mais chances do que eu de, no futuro, desenvolver um câncer de pulmão --e mais dificuldade para, de manhã, se lembrar de onde colocou as chaves--, mas a escolha é dele. O pulmão e as chaves, também.
A vida é muitas vezes chata, é quase sempre dura, é definitivamente curta. Por isso uns bebem, outros fumam, ingerem mais gordura saturada do que recomenda a Organização Mundial da Saúde e há até quem salte de asa-delta, sem que o Estado se meta em suas vidas.
Tudo isso posto, fiquei muito contente, semana passada, ao encontrar nos jornais, entre Felicianos e Malufs, vans e panelas de pressão, a notícia de que sete ex-ministros da Justiça encaminharam ao STF uma carta recomendando a descriminalização do uso de drogas.
Que a maconha deveria ser legalizada já, plantada e fumada por quem quisesse, não tenho a menor dúvida. Quanto às outras drogas, é preciso analisar bem como proceder, para que não se resolva apenas o lado do consumidor do asfalto, mantendo a tragédia do tráfico nos morros e periferias.
Felizmente, além dos ex-ministros, há muita gente gabaritada pensando em como desatar esse nó. Ano passado, foi criada a Rede Pense Livre (migre.me/efd02), um grupo apartidário, com membros de diversas áreas --da antropologia ao mercado financeiro, da direita e da esquerda; gente de terno, de piercing, de terno E de piercing--, cujo objetivo é rediscutir a atual política brasileira referente às drogas --e mudá-la. Parte da premissa de que a estratégia atual, a guerra, não funcionou e propõe a descriminalização.
O mal que a "guerra às drogas" causa à sociedade é infinitamente superior aos danos que as substâncias causam a seus indivíduos. Hoje, mais de 130 mil pessoas (1/4 da população carcerária brasileira) estão na cadeia por alguma relação com entorpecentes; são jovens, em grande parte, cujos futuros o contribuinte paga caro para arruinar, mantendo-os atrás das grades.
Deixemos os presídios para quem mata, quem estupra, quem desvia dinheiro público e deposita nas ilhas Jersey: não para quem precisa de tratamento médico ou nem isso, quem só quer esquecer um pouco dos problemas, ouvir Pink Floyd e --por que não?-- comer melancia com ketchup.
Folha de S.Paulo, 24,4,2013
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