Folha de S.Paulo, 23/4/2013
Há algumas graves lacunas na narrativa sobre tudo o que aconteceu após os atentados na maratona
Barack Obama tem toda a razão ao dizer que há muitas perguntas não respondidas no caso de Boston.
Algumas:
1 - Um assessor de um experimentado congressista disse ao "Boston Globe" que vários membros do Congresso estão querendo informações sobre a investigação que o próprio FBI confirmou ter feito, em 2011, sobre Tamerlan Tsarnaev, o suspeito morto pela polícia.
"O FBI tinha esse sujeito no radar, mas de alguma forma ele saiu. Ouvimos durante vários dias que não havia informação de inteligência [sobre os autores dos atentados]. Agora, descobrimos que poderia ter havido informações."
Se o FBI mantivesse nos arquivos os dados básicos de um cidadão tido como suspeito, não precisaria exibir os vídeos em que aparecem os irmãos Tsarnaev para pedir ajuda à população, o que obviamente alarmou os suspeitos, levando-os às ações em que se envolveram.
Poderia ter havido uma caçada silenciosa e discreta, o que, em tese, pouparia pelo menos uma vida, a do segurança do MIT supostamente morto pelos irmãos em fuga.
Talvez ambos pudessem ser presos com vida, o que seria do interesse da investigação, cujo objetivo "nesta conjuntura crítica deveria ser o de recolher informações para proteger a nação de futuros ataques", como disseram os senadores Johan McCain e Lindsay Graham.
2 - Que fuzilaria foi aquela nas imediações da casa em que Dzhokhar se refugiou em um barco?
Se o rapaz estava gravemente ferido, se não reagiu a tiros quando o proprietário do barco levantou a lona para verificar o que estava acontecendo, como é que poderia se envolver em uma troca de tiros cinematográfica com a polícia, como os vizinhos a descreveram?
Parece mais uma tentativa de fuzilamento sumário, o que dá margem a duas críticas: primeiro, é de novo contraproducente para a investigação, do que dá prova o fato de que Dzhokhar não está podendo ser devidamente interrogado, por causa dos ferimentos recebidos.
Segundo, fere um princípio civilizatório básico segundo o qual todos são inocentes até prova em contrário, prova que a polícia ainda não produzira, tanto que ele continuava a ser tratado como suspeito.
Afinal, é como escreveu Glenn Greenwald, colunista de direitos civis do "Guardian": "Dezenas, se não centenas de detidos em Guantánamo, acusados de serem os piores dos piores, não eram culpados de nada. Evidências apresentadas pela mídia não substituem o devido processo legal e um julgamento com direito a contraditório".
3 - Não é lógico que os irmãos em fuga soltassem o motorista que haviam tomado como refém, após dizerem que eram os responsáveis pelos atentados.
Sabiam que, se liberassem o refém, ele os denunciaria às autoridades, como de fato ocorreu. Se já haviam matado quatro, incluindo o guarda de segurança, não faz sentido que se apiedassem de uma quinta pessoa e a soltassem sem nem mesmo uma coronhada.
Se García Márquez tem razão ao dizer que um bom conto é aquele que parece verdade, o conto de Boston está devendo muito.
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