27 de abril de 2013

No Ceará, mata-se mais que no conflito Israel/Egito


FÁBIO CAMPOS 28/04/2013
" A nossa guerra particular não merece nem coletiva de secretário da Segurança. Seus superiores também optaram pelo silêncio
O Povo


Em textos anteriores, tratei o problema da violência no Brasil e, particularmente, no Ceará, como sendo uma epidemia. Errado. Como bem disse o sociólogo Júlio Jacobo Waiselfisz, responsável pelo Mapa da Violência, o Brasil vive hoje uma situação que se enquadra no conceito de “pandemia”. “A epidemia é um surto eventual, a pandemia é um problema estrutural e mais difícil de cuidar. A violência entre nós está incorporada”.
Sim, a violência está incorporada ao nosso cotidiano. Como escrevi em texto anterior, se considerarmos somente duas causas, 12 pessoas (em média) morreram no Ceará todos os dias de 2012: 10 delas em função de homicídios dolosos e duas em função de acidentes de motos. No total, 4.452 mortos em apenas um ano de nossa guerra cotidiana. Em 2013, esses números são ainda maiores.
 
Imaginem leitores, se a causa de tanta mortalidade fosse uma doença como a dengue ou a cólera. Haveria um grande alvoroço para resolver o problema. Mundos e fundos seriam mobilizados. Estranhamente, a violência não mobiliza nem fundos, nem mundos.
 
12 mortos por dengue daria dias e dias de manchetes. A mídia nacional seria atraída pelo tema. Muitas reportagens. Vários especialistas a conceder suas opiniões. No entanto, 12 é usualmente a quantidade de pessoas assassinadas a cada fim de semana somente em Fortaleza.
 
A nossa guerra particular não merece nem coletiva de secretário da Segurança. Seus superiores também optaram pelo silêncio. Ampliando para o Brasil, recorro novamente ao sociólogo Júlio Jacobo: em 30 anos, entre 1980 e 2010, o nosso País ultrapassou a incrível e impressionante marca de 1 milhão de vítimas de homicídios.
 
Atentem para esse dado contido no Mapa da Violência 2010: a média anual de mortes por homicídio no País supera o número de vítimas de enfrentamentos armados no mundo. Entre 2004 e 2007, 169,5 mil pessoas mor-reram nos 12 maiores conflitos mundiais. No Brasil, o número de mortes por homicídio nesse mesmo período foi 192,8 mil.
 
Voltando ao Ceará: 3.565 homicídios dolosos em 2012. Comparemos com algumas guerras. A guerra civil da Nicarágua durou sete anos (1972-79). Ao todo, morreram 30 mil pessoas. Ou seja, 4.286 mortos por ano. A guerra Israel/Egito (1967-1970) tirou a vida de 6.400 pessoas. Uma média de 2.133 mortos por ano. Menos da metade dos assassinados no Ceará em 2012.
 
A Guerra das Malvinas, entre Inglaterra de Argentina, durou um ano e tirou a vida de 2 mil pessoas, quase todas soldados. É quase a metade da guerra cearense de cada ano. A terrível guerra civil do Camboja, que durou 18 anos (1979-97), matou 1.338 pessoas por ano. Quase três vezes menos que o Ceará de 2012. Basta.
 
A ESPERA DE UM PLANO
Há alguns sinais, mesmo que frágeis, de que a Prefeitura de Fortaleza pode adotar uma linha de austeridade no que diz respeito à ordem urbana. A desocupação da praça da Estação, ocorrida na manhã da sexta-feira passada, é um bom exemplo. As operações para fechar bares sem alvará também.

Até aqui, as ações se apresentam isoladas. Não sabemos ainda se são elementos de um conjunto bem maior cuja meta seja dotar Fortaleza de mecanismos efetivos que estabeleçam uma nova relação da cidade com o seus espaços urbanos.
 
Até aqui, nenhuma palavra do prefeito Roberto Cláudio a respeito do tema. Há apenas rumores de que algo está sendo preparado. Falas informais. O temor é que o ano de 2013 corra sem que nenhuma política urbana seja estabelecida de maneira clara.
 
Em 2014, ano de disputa eleitoral, sabemos bem que os nossos diletos políticos fogem como o diabo da cruz de qualquer ação administrativa que provoque polêmicas ou reações adversas. A experiência diz que até blitzes de fiscalização do trânsito desaparecem durantes os meses de uma campanha. Vamos ao caso das operações para fechar bares sem alvará e reprimir os terríveis paredões de som. São ações feitas em conjunto com a PM. Foram centenas de bares fechados e paredões apreendidos. Muito bom, mas não temos a menor ideia sobre o que aconteceu no dia seguinte.
 
Como não se trata de uma política efetiva, planejada e cotidiana, não há nenhuma garantia de que todas as biroscas e afins já não estejam funcionando novamente e nas mesmas precárias condições de antes. É muito provável que sim.
 
UMA QUESTÃO DE AUTORIDADE
Na tarde da última quinta-feira, eu e alguns colegas do O POVO, conversamos com o ex-prefeito de São Paulo, Gilberto Kassab. Como uma capital tão grande e problemática conseguiu estabelecer com tanto sucesso uma regra tão rígida e radical de controle da poluição visual? A resposta de Kassab: parecia difícil, mas foi simples. A regra estabelecida valia para todos. O fim da publicidade nas ruas e um tamanho limite de 4 metros quadrados para todas as casas comerciais. Todos foram obrigados a seguir. Quem não seguia era multado.

A autoridade se impôs. Todos tiveram a clareza de que a Prefeitura não ia transigir e nem abrir exceções. Pronto. Deu-se então um fantástico círculo virtuoso que tornou a cidade um exemplo a ser seguido. Está aí um dos segredos para o sucesso de políticas públicas de controle urbano: regras simples, fáceis de serem entendidas, autoridade do poder público e um comando que não abdica, em qualquer hipótese, de fazer com que a regra seja respeitada.
 
QUEM CALA, CONSENTE
No que diz respeito ao controle urbano em Fortaleza, o histórico das gestões e das instituições públicas não é positivo. Pelo contrário, o comportamento usual é a permissividade e a complacência. Vamos ao caso da favela denominada Pau Fininho, localizada em área de proteção ambiental nas margens da Lagoa do Papicu.

Como se sabe, trata-se de uma área paupérrima, bastante complicada do ponto de vista social. Há tempos que a área é geradora de jovens dispostos a violar a lei. Tanto que até a polícia tem dificuldades de entrar lá.
 
Em anos anteriores, deram-se as primeiras tentativas concretas de urbanizar a favela. Com os moradores cadastrados, providenciaram-se recursos para construir casas para as famílias. A obra teve início há mais de cinco anos. Porém, ficou paralisada pelo menos dois anos por causa de uma incrível decisão judicial que proibiu a derrubada dos casebres.
 
Pronto. Foi o suficiente para o descalabro. Os apartamentos, mesmo sem terem sido finalizados, foram invadidos por famílias oriundas de outras áreas da cidade. Ou seja, os casebres foram mantidos, os apartamentos estão ocupados por quem não devia e novos casebres surgem a cada dia na área. O problema aumentou de tamanho, a solução ficou mais cara e complexa. Há uma decisão judicial determinando a retirada dos invasores dos apartamentos, mas ela é solenemente desrespeitada. A Cagece oferece sua contribuição ao caldo ao fazer as ligações de água. A Coelce age na mesma linha. A Prefeitura cala e consente. É desanimador.

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