A faceta modernizadora da ditadura era uma tentativa de compensar a violência imposta a segmentos da comunidade universitária
Os resultados das intervenções da ditadura nas universidades ainda estão presentes entre nós; em muitos aspectos, as estruturas universitárias atuais são heranças daquele período. Entretanto, inicialmente, os vencedores de 1964 não tinham clareza sobre o que fazer, salvo a ânsia de "limpar" o país de inimigos reais e imaginários.Eles constituíam uma frente heterogênea: liberais, conservadores, reacionários, nacionalistas autoritários e até alguns reformistas moderados receberam com alívio a queda do então presidente João Goulart. O único consenso era negativo: destituir governo acusado de conduzir o país a uma guinada esquerdista, temor que se expressou em linguagem anticomunista.
A política universitária da ditadura resultou do contraste entre opiniões divergentes no próprio Estado autoritário, da pressão do movimento estudantil e, paradoxalmente, da apropriação de ideias gestadas no pré-1964, inclusive o conceito de reforma universitária.
Além de as universidades reunirem inimigos do novo regime, o que as tornava alvos privilegiados das primeiras operações de expurgo, elas ocupavam lugar estratégico na formação das elites intelectuais e políticas do país.
Assim, eram indispensáveis ao projeto desenvolvimentista autoritário dos militares (e aliados civis), sobretudo no contexto do "milagre" econômico, que demandou ampliação drástica de técnicos e profissionais com formação superior.
Como resultado, ao fim dos 15 primeiros anos da ditadura, o número de universitários havia aumentado em 1.000%.
A reforma imposta pela ditadura teve outros aspectos relevantes: criou-se o sistema de vestibular unificado; reformou-se a carreira dos docentes, com dedicação integral e salários aumentados; implantou-se um sistema nacional de pós-graduação; expandiu-se o número de bolsas para incentivar a pesquisa e a pós-graduação; construíram-se novos campi; e aumentaram-se os laços com instituições estrangeiras.
Porém, simultaneamente à modernização, as universidades foram intensamente atingidas pela repressão. Mais de mil estudantes foram afastados, assim como aproximadamente 300 docentes, entre demitidos e aposentados compulsoriamente, além de outros --em número difícil de precisar-- tiveram a contratação barrada. Ademais, uma proporção elevada dos mortos ou desaparecidos por ação das forças repressivas pertencia à comunidade acadêmica, na esmagadora maioria estudantes universitários.
Não obstante a violência, que nunca poderá ser subestimada, a ditadura adotou estratégias para suavizar suas relações com a comunidade universitária. Para além da repressão, houve também jogos de acomodação envolvendo o Estado e as elites acadêmicas. Aliás, a faceta modernizadora da ditadura tinha também motivações políticas: era uma tentativa de compensar a violência imposta a segmentos da comunidade universitária.
Tais políticas de acomodação incluíram várias iniciativas, desde o Projeto Rondon, que visava "integrar" os estudantes aos valores do regime, até a estratégia de evitar demissões ou permitir contratações de alguns docentes visados.
Por isso, nas universidades, assim como em outros meios acadêmicos e intelectuais, as atitudes diante da ditadura variaram entre adesão, resistência e acomodação. Quadro complexo, que não comporta análises simplificadoras.
É fundamental levar em conta as estratégias de acomodação, inclusive para compreender como se viabilizou a peculiar transição democrática brasileira, que logrou devolver o poder aos civis em ritmo lento, ao mesmo passo que blindou as forças repressivas contra punições.
Nos dias que correm, trata-se de superar os restos do legado autoritário e orientar a infraestrutura herdada em benefício da sociedade.
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