30 de maio de 2014

Câmara aumenta verba para ensino; Dilma teme despesa

Texto-base do plano nacional para o setor foi aprovado na quarta-feira (28)
Investimento terá que alcançar 10% do PIB; base aliada tentará barrar novos gastos para o governo federal
FLÁVIA FOREQUEVALDO CRUZDE BRASÍLIA
Aprovado pela Câmara dos Deputados na quarta (28), o Plano Nacional de Educação prevê que o investimento no setor chegue a 10% do PIB (Produto Interno Bruto) em 2020, quase o dobro de hoje. O índice preocupa o governo federal, que tentará minimizar seu gasto adicional na segunda etapa de votação.
O plano, chamado de PNE, traça 20 metas para o setor, da alfabetização à pós-graduação. A mais polêmica delas é a que prevê o aumento de recursos. O plano não diz como as despesas devem ser divididas entre União, Estados e municípios.
Apesar do compromisso de sancionar os 10% do PIB, a presidente Dilma Rousseff está preocupada com a falta de definição de uma nova fonte de recursos para bancar o aumento de verba.
Inicialmente, o governo defendia a fixação de um percentual de 7%, mas foi derrotado durante a tramitação da medida no Congresso.
De acordo com o Ministério da Educação, o investimento público total em educação foi de 6,4% do PIB em 2012. Considerando a estimativa do PIB para este ano, esse percentual equivale a R$ 338,6 bilhões. Esse valor inclui gastos com previdência dos atuais professores
Com o novo índice do PNE, o montante chegaria a R$ 529 bilhões, sem incluir a estimativa de aposentadoria. Ou seja, a elevação do investimento em educação acarretaria em um gasto adicional de pelo menos R$ 191 bilhões, valor maior que todo orçamento atual do MEC.
Os 10% não devem ser alcançados com os royalties do petróleo para a educação, dizem técnicos do governo.
O tema voltará a ser discutido pela Câmara, que ainda tem que votar trechos polêmicos do plano --na quarta, os deputados votaram apenas um texto-base.
Um dos pontos polêmicos em aberto é o que prevê que a União repasse verbas a Estados e municípios que não alcançarem um valor mínimo por aluno, como parâmetro de qualidade do ensino.
O governo teme impacto nas contas. Com o aval da liderança do governo, o PMDB pediu a retirada desse trecho.
Outros destaques, apresentados por PSB e PDT, defendem que na soma dos 10% do PIB não entrem despesas com programas como Fies e Prouni. Se aprovados, o governo terá que gastar ainda mais para chegar a 10%. "Espero que o Congresso mantenha a redação que incorpora [no cálculo] esses programas", disse Angelo Vanhoni (PT-PR).
Professor da Universidade Federal de Goiás, Nelson Amaral defende 10% sem contar Prouni e Fies. Segundo ele, só dessa forma o país conseguirá, em 20 anos, aplicar o mesmo valor por aluno que países desenvolvidos.

CONTRA
'Sem melhorar gestão, é exagero fazer esse gasto'
DE SÃO PAULO
O investimento de 10% do PIB em educação não vai, necessariamente, aumentar a qualidade do ensino no Brasil, afirma Naércio Menezes Filho, professor do Insper (Instituto de Ensino e Pesquisa), em São Paulo.
Ele classifica como "exagero" fazer esse gasto, como determina, no horizonte de dez anos, o texto-base do Plano Nacional de Educação aprovado.
"Para fazer isso, haverá necessidade de aumentar a carga tributária, o que ninguém mais deseja. E isso não nos dá nenhuma garantia de que a qualidade do ensino brasileiro vai melhorar", diz o especialista em entrevista. "O que precisa mudar é a gestão."
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Folha - A questão do investimento dos 10% do PIB em educação é o mais essencial para o plano?
Naércio Menezes Filho - É exagero gastar 10% do PIB na educação. O que precisa mudar é a gestão dos recursos. Sem isso, haverá um gasto maior, com o aumento do bolo, mas que não resultará em melhor qualidade.
Qual é o motivo desses 10% serem tão debatidos?
Existem muitas demandas corporativas nesses casos. Os grupos estão reivindicando recursos para si próprios. O foco tem que ser na gestão. Ela precisa melhorar em todos os níveis: federal, estadual e municipal também.
Existe um exemplo positivo, em relação a uma melhor gestão, que tenha dado frutos práticos?
Existe uma experiência positiva na cidade de Sobral, no Ceará. Em um local com relativa pobreza, a avaliação dos indicadores de ensino em cinco anos, entre 2005 e 2011, melhorou. Isso foi obtido com foco na gestão.
Os professores e diretores com melhor desempenho foram mais valorizados [em termos econômicos]. Educadores de destaque foram direcionados para a alfabetização, uma parte importante do processo de aprendizagem.
O próprio Estado do Ceará aumentou o repasse do ICMS [imposto recolhido em nível estadual] para cidades que mostraram um desempenho melhor em educação básica.

A FAVOR
'Projeto traz melhorias para todos os níveis'
DE SÃO PAULO
O aumento do investimento em educação para 10% do PIB, previsto pelo Plano Nacional de Educação, é essencial porque o país precisa melhorar em todos os níveis de ensino: básico, superior e profissionalizante. A opinião é do professor Francisco Cordão, especialista em sociologia da Educação.
À Folha, ele parafraseou a frase do professor Anísio Teixeira, quando, em 1961, foi aprovada a primeira versão da LDB (Lei de Diretrizes e Bases da educação nacional).
"Não é uma vitória total, mas é uma vitória", afirma Cordão, citando Teixeira
Para ele, o PNE reflete os debates que vêm sendo travados há anos pelos envolvidos em educação e é o melhor projeto para o setor que o Brasil poderia ter nesse momento.
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Folha - É factível o gasto de 10% do PIB na educação?
Francisco Cordão - O plano precisa ser visto em conjunto. Os recursos estão atrelados aos avanços que precisam existir em várias áreas da educação.
Como o plano estabelece, precisa haver melhorias na educação básica, na educação superior e na profissionalizante.
A avaliação do plano é positiva, professor?
É um grande avanço. O fato de o plano estabelecer as 20 metas principais, para serem acompanhadas, é muito bom. Claro que poderia até ser menos, mas como esse conjunto de metas é enxuto, e essa foi a estratégia, fica mais fácil fazer o acompanhamento de todas elas.
O plano aprovado no Congresso, é importante dizer, reflete o anseio de toda a comunidade que discute o assunto há vários anos. Esse texto em discussão entre os parlamentares é fruto das reflexões feitas no âmbito da Conae [Conferência Nacional de Educação].
Quais os desdobramentos mais imediatos do plano?
É importante que esse plano tenha sido aprovado antes da Copa e das eleições. O ideal é que tivesse sido no ano passado, mas tudo bem. Esse plano direciona para que os debates sobre os planos estaduais e municipais de educação cresçam. É outro avanço.

por Dimas Eduardo Ramalho ¹ e Élida Graziane Pinto²

A sociedade brasileira tem uma demanda universal e apartidária, cujo atendimento vem sendo postergado e acumulado, a cada geração, como verdadeiro fracasso nosso. Queremos educação pública de qualidade, como, aliás, também quiseram nossos avós e bisavós no século passado.
Nestes tempos de Copa do Mundo, os movimentos de junho do ano passado bem resumiram a falta do “padrão Fifa” para a educação. Seria tal lema apenas irônico, se não fossem trágicos os resultados de desempenho dos estudantes brasileiros em exames internacionais como o PISA (Programme for International Student Assessment) e o próprio comportamento, por vezes, sucessivamente estagnado ou mesmo de retrocesso das metas de IDEB (Índice de Desempenho da Educação Básica) das redes públicas municipais e estaduais de ensino.
Os resultados são desoladores, mas pior do que isso é a ausência de um plano de ação, na medida em que, desde dezembro de 2010 até os presentes dias, sequer conseguimos aprovar o Plano Nacional de Educação – PNE – em descompasso, inclusive, com a década que ele deveria reger (2011/2020). Enquanto fracassamos coletivamente na formação qualitativa dos nossos estudantes, os gestores públicos, quase invariavelmente, alegam serem necessários mais recursos públicos para pagar salários de professores, construir escolas, oferecer material didático etc.
De fato, manter vagas de escola em horário integral, remunerar bem e capacitar continuamente os profissionais de educação, além de acompanhar individualmente a aprendizagem dos alunos são ações dispendiosas, contudo, em um país em desenvolvimento, são substantivamente mais baratas do que nas nações mais desenvolvidas, o que torna a discussão entre subfinanciamento de recursos e desperdício ainda mais importante.
Nesse sentido, preocupa-nos, em particular, a existência do gasto público protocolar e – até certo ponto – inercial, apenas para cumprir o piso constitucional da educação. Tal gasto mínimo formal não se faz acompanhar da devida atenção para com o desempenho tanto individualmente das escolas, quanto, em geral, das respectivas redes públicas de ensino.
Ainda que o Congresso esteja a debater projetos sobre responsabilidade educacional e haja quem sustente ser impossível – na falta de novas leis – punir os gestores por sua contumaz inércia na garantia de padrão progressivo de qualidade para a educação, acreditamos ser esse o grande desafio contemporâneo de todas as instituições de controle.
O primeiro raciocínio necessário para equacionar a questão acima precisa ser retomado junto ao legado de nossos avós e bisavós que, direta ou indiretamente, conseguiram estabelecer o dever de gasto público mínimo em educação há aproximadamente 80 anos.
Vale lembrar, por oportuno, que, no próximo dia 16 de julho, a sociedade brasileira comemorará os 80 anos do dispositivo constitucional que fixa porcentual mínimo de gasto governamental em educação. Isso porque foi a Constituição democrática de 1934, em seu art. 156, que inaugurou a vinculação orçamentária de despesa para a política pública de educação.
Ressalvados os retrocessos autoritários de 1937 e 1967/1969 e considerando a reinserção feita pela Emenda Calmon de 1983, é incontestável a forma escolhida pela Sociedade Brasileira, por meio de sua Constituição, de como o Estado deve assegurar o direito à educação, sob o aspecto do seu custeio, fixado como um patamar mínimo das receitas de impostos e transferências dos entes da Federação. Evidentemente não há qualquer restrição a gastos acima do piso.
Não obstante, após tão longo período, em que os recursos foram garantidos, a falta de resultados substantivos, como atestado pelas avaliações internacionais e nacionais, mostra que a fórmula é, no mínimo, imperfeita.
Atualmente, ainda que seja necessária a fixação de meta de aplicação de recursos públicos em porcentagem do produto interno bruto (o que é o principal entrave à aprovação do PNE), percebemos – em nossa atuação cotidiana – que não basta a busca por mais recursos, sem que se cobre pela progressividade de resultados. Por mais óbvio que pareça ao cidadão comum, o desafio atual é viabilizarmos meios jurídicos que nos permitam tornar claro ao gestor que não basta gastar o mínimo ou um pouco acima dele, é preciso gastar bem. Ou seja, é preciso usar os recursos públicos adequadamente e obter resultados socialmente satisfatórios, cumprindo metas progressivas de qualidade da educação que comprovem haver sido eficiente a despesa realizada.
O alargamento da noção de gasto mínimo em educação permitiria aos Tribunais de Contas e às demais instâncias competentes de controle avaliar se as despesas empreendidas naquele porcentual vinculado acarretaram resultados injustificadamente estagnados ou regressivos ao longo do tempo.
O que estamos a defender é que não basta o cumprimento matemático do dever de gasto mínimo se a ele corresponder estagnação ou regressividade imotivada de indicadores e índices oficiais de desempenho durante o período examinado. Gastar formalmente o montante mínimo de recursos vinculados, mas não assegurar o padrão de qualidade é gastar mal (lesão aos princípios da finalidade e eficiência), além de configurar oferta irregular de ensino nos moldes do art. 208, § 2º cominado com o art. 206, VII, ambos da CR/1988.
Em suma, o gasto até pode haver sido fixado em patamar mínimo, mas a qualidade da educação envolve dever de progresso, do qual não podemos nos furtar sob pena de as futuras gerações nos cobrarem pelo que deixamos de avançar no cumprimento de normas constitucionais vigentes há tanto tempo. Afinal, se de um lado não existe plena democracia em um Estado que não atende os anseios de seu cidadão, de outro, não existe plena cidadania, em uma Sociedade sem educação. Eis o grande desafio.

[1] Conselheiro do Tribunal de Contas do Estado de São Paulo e Professor de Direito.
[2] Procuradora do Ministério Público de Contas do Estado de São Paulo, Pós-Doutora em Administração pela Escola Brasileira de Administração Pública e de Empresas da Fundação Getúlio Vargas (FGV/RJ) e doutora em Direito Administrativo pela UFMG.

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