10 de maio de 2014

Luis Fernando Verissimo, O caminho


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O caminho

08 de maio de 2014 | 7h 11
Luis Fernando Verissimo - O Estado de S.Paulo
Um espectro ronda a Europa e o resto do mundo onde a receita neoliberal contra a crise é austeridade para os pobres e liberdade total para os ricos enriquecerem cada vez mais. O espectro tem nome e sobrenome: Thomas Piketty. É um jovem economista francês cujo livro O Capital no Século Vinte e Um é um best-seller internacional e está apavorando muita gente. Não há resposta para a sua tese de que a ideia de que basta deixar os ricos se lambuzarem que sobrará para os pobres, todos se beneficiarão e a desigualdade acabará no planeta é furada como um "donut" - a não ser chamá-lo de um marxista com preconceitos previsíveis. Mas justamente o que assusta em Piketty é que sua tese foge da ortodoxia marxista e é baseada em retrospectiva academicamente irretocável e fatos e números inegáveis, não em ideologia. Ela apenas prova que a lição dos últimos anos, quando o capital financeiro se adonou do mundo, é não apenas que o caminho tomado está errado e só levará a mais desigualdade como todos os argumentos usados para justificá-lo são falsos. A concentração de renda não se deve a nenhum tipo de meritocracia, já que vem principalmente de dinheiro herdado ou produzido pelo próprio dinheiro, sem nenhum proveito social, e nem as oligarquias mais "esclarecidas" estão prontas a renunciar à sua capacidade de autogeração, que, no caso, é a possibilidade de se autorremunerar ao infinito. A continuar assim, diz Piketty, a história do capitalismo no século 21 será a do crescente confronto com a desigualdade e com a revolta que ela, cedo ou tarde, mas fatalmente, provocará.


Gosto daquela cena num filme dos irmãos Marx em que Groucho, no papel de um general, se prepara para explicar a seus comandados o significado de um mapa na parede. "Uma criança de 3 anos entenderia este mapa", diz Groucho. E, depois de estudar o mapa por alguns minutos: "Tragam uma criança de 3 anos!". Sem querer diminuí-lo - ao contrário -, acho que monsieur Piketty é a criança de 3 anos desta história. Ele traz uma visão nova de uma situação que todo mundo está vendo, mas nem todo o mundo enxerga ou quer enxergar, e que a criança de 3 anos veria com a mesma simplicidade, sem os mesmos recursos do francês. Mas também desconfio que, passado o primeiro susto, a tese de Piketty terá o mesmo efeito da explicação da hipotética criança de 3 anos - muito pouco. A lição que Piketty aprendeu ou apreendeu no passado estava evidente. Se o caminho errado continua o mesmo é porque interessa economicamente e politicamente a quem tem o poder, e não quer distribuí-lo como se distribui renda. É um caminho para o desastre conscientemente assumido.


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