Projeção de crescimento é de apenas 2,5% este ano, reflexo das mudanças na política monetária dos EUA
03 de maio de 2014 | 15h 37
Denise Chrispim Marin e Márcia De Chiara
SÃO PAULO - Se a primeira década do século favoreceu o crescimento econômico e promoveu as lideranças políticas da América Latina, o cenário de curto prazo para a região não será dos mais fáceis. A queda dos preços internacionais das commodities e a mudança da política monetária americana empurram países latino-americanos a uma encruzilhada. Mesmo com a atividade mais acelerada no México e nos Andes, a América Latina já não vive mais um "superciclo" favorável. Nenhum de seus países vai dispor da mesma margem de manobra macroeconômica que teve para enfrentar a crise financeira de 2008.
Em médio prazo, o cenário trará mais incertezas. O crescimento potencial da região tende a se manter abaixo da média da década passada, nos cálculos da consultoria Eurasia. A região será mais pressionada pela sociedade e pelo empresariado a expor resultados positivos em termos de aumento de produtividade e de competitividade - o maior desafio da América Latina, nas visões do FMI e da Cepal. Ao mesmo tempo em que serão "convidados" a fazer ajustes para dar sustentação ao crescimento, seus governos serão cobrados pela população a expandir gastos sociais.Nos cálculos do Fundo Monetário Internacional (FMI), a atividade da região deve crescer apenas 2,5% neste ano, principalmente por causa da desaceleração no Cone Sul. Se confirmado, esse será o pior desempenho econômico da região nos últimos 11 anos. A estimativa da Comissão Econômica para a América Latina (Cepal) para 2014 é um pouquinho melhor, de expansão de 2,8%. Mas essa diferença pouco contribui. "Será o segundo ano seguido de baixo crescimento. A América Latina cresce, mas pouco, o que não é bom", afirmou o secretário executivo adjunto da Cepal, Antonio Prado.
Diferenças. Está no curto prazo a maior preocupação de organismos financeiros internacionais, analistas econômicos e governos da região. FMI, Cepal, Banco Mundial e Eurasia concordam haver "dinâmicas divergentes" na América Latina. Ou seja, fenômenos como a redução do crescimento na China, a queda nos preços internacionais das commodities exportadas pela região e o possível aumento do juros dos Estados Unidos a partir de julho de 2015 terão efeitos diferentes. A reação de cada país, avisa Otaviano Canuto, conselheiro da Presidência do Banco Mundial, vai depender da qualidade da gestão macroeconômica.
Três grupos de países são facilmente observados na América Latina. O México e os andinos - em especial, Peru, Chile e Colômbia - terão maior fôlego para enfrentar o cenário desfavorável, na opinião de Canuto, e devem manter a curva de crescimento. Integrado aos EUA, o México deverá se beneficiar da recuperação americana e também de reformas adotadas em 2013 no setor energético e na tributação das empresas. Para 2014, a expansão mexicana deverá chegar a 3%, segundo o FMI.
Os andinos souberam como se valer do aumento dos preços das commodities na década passada, mantiveram a inflação e as contas públicas sob controle e ampliaram seus mercados consumidores. A Bolívia e o Equador descolaram do modelo econômico bolivariano para fazer ajustes e investimentos necessários. O desempenho macroeconômico da Bolívia chegou a receber elogios do Fundo em abril.
Venezuela e Argentina formam o grupo oposto. Seus modelos econômicos centralizados estão esgotados, na opinião de Daniel Kerner, diretor para América Latina da Eurásia. Favorecidos pelo aumento dos preços das commodities nos anos 2000, ambos os países expandiram os gastos públicos, foram lenientes com a inflação e criaram dificuldades ao investimento produtivo. Esses movimentos, segundo Canuto, limitaram a capacidade de produção. A Venezuela será o único país da América Latina a ter variação negativa do PIB, de 0,5%. Em 2015, a queda deve ser de 1%, nas contas do FMI. Sair da recessão não será tarefa fácil para o governo de Nicolás Maduro.
Para Canuto, os governos da Argentina e da Venezuela estão percebendo esses limites antes mesmo de ser consolidada a mudança do cenário externo. Buenos Aires começou a reagir com restrição de gastos públicos, redução dos subsídios à energia e desvalorização da moeda. Também negocia com o FMI a mudança de metodologia de cálculo da inflação e do PIB e a retomada das avaliações periódicas da economia argentina. A inflação medida por consultorias privadas gira em torno de 30% ao ano. "Não se trata ainda de um giro completo na política econômica argentina", ponderou Kerner.
Venezuela. A Venezuela não quer conversa com o FMI. O governo de Maduro também se viu forçado a adotar medidas de correção, como a criação de um quarto sistema de câmbio, o Sicad 2, teoricamente flexível. Mas a economia está muito mais desordenada do que a argentina, avalia Kerner. A inflação, de 57% ao ano, é o recorde das Américas. "A desvalorização da moeda, provocada pelo Sicad 2, foi uma maneira de o governo ganhar tempo. Mas seu impacto positivo acabará em sete meses", disse Kerner.
O Brasil pode ser considerado um grupo, o do crescimento frustrante. Para o FMI, a queda nos preços das commodities deverá ter impacto negativo menor do que nos países andinos. O País está atrasado nas reformas estruturais para expandir seu potencial de produção e aumentar a competitividade.
O FMI prevê aumento de apenas 1,8% na atividade do País neste ano. Para 2015, o crescimento será de 2,7%. O desemprego baixo é considerado uma "característica benigna" por Antonio Prado, mas não vem acompanhado por aumento na renda. A situação das contas públicas não é confortável, a inflação está acima do centro da meta e, em princípio, há apenas margem monetária - aumento de juros, em especial - para enfrentar um cenário mais desfavorável.
O cenário de longo prazo, avisou o FMI no Panorama Econômico Regional - Hemisfério Ocidental, "continua nebuloso por riscos laterais, incluindo renovadas crises de volatilidade no mercado financeiro e redução maior do que a esperada nos preços das commodities".
A mudança de cenário para a América Latina já pode ser observada nas suas contas externas. Do superávit nas transações de bens e serviços com o exterior, registrado até 2008, a América Latina passou a saldos negativos. Incluindo o Caribe, o FMI projeta déficit nas transações correntes de 2,7% do PIB para a região neste ano. "Houve uma mudança forte no sinal do comércio internacional, e a América Latina foi afetada", afirmou Prado. "O déficit em transações correntes é o problema macroeconômico da América Latina, e isso afeta o crescimento." O saldo negativo não deve causar dificuldades cambiais, porque o nível de reservas internacionais da região é alto. Alcança US$ 800 bilhões, 50% do Brasil.
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