2 de setembro de 2014

Pesquisa mostra que não falta professor, mas interesse de seguir a carreira


PAULO SALDAÑA - O ESTADO DE S. PAULO
31 Agosto 2014 | 22h 30

Número de formandos em licenciatura no Brasil, entre 1990 e 2010, segundo estudo, é maior que a demanda por docentes

SÃO PAULO - Apesar de haver escolas sem professores no Brasil, o número de licenciados entre 1990 e 2010 seria suficiente para atender à demanda atual por docentes. É o que revela a pesquisa inédita do professor José Marcelino de Rezende Pinto, da Universidade de São Paulo (USP). Faltam, portanto, profissionais interessados em seguir carreira dentro da sala de aula.
O estudo aponta para a necessidade de tornar a profissão mais atrativa e de incentivar a permanência estudantil na área. Isso porque o número total de vagas na graduação é três vezes maior que a demanda por professores estimada nas disciplinas da educação básica. Em todas as áreas, só as vagas de graduação nas universidades públicas já seriam suficientes para atender à demanda.
Para realizar a pesquisa, o autor cruzou a demanda atual por profissionais na educação básica com o número de formados nas diferentes disciplinas curriculares entre 1990 e 2010. Assim, apenas em Física é possível afirmar de fato que o número de formandos não é suficiente para suprir a necessidade.
Segundo Marcelino, os titulados preferem ir para outras áreas a seguir a docência. “A grande atratividade de uma carreira é o salário. Mas, além da remuneração, o professor tem um grau de desgaste no exercício profissional muito grande. E isso espanta”, afirma o pesquisador, que é da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da USP de Ribeirão Preto.
Os cursos de formação de professores têm evasão maior que 30%, acima da média registrada por outras graduações. “Em vez de financiar novas vagas, muitas vezes em modalidade a distância sem qualidade, precisamos investir para que o aluno entre e conclua.”
Dados recentes mostram que há um déficit nas escolas brasileiras de 170 mil professores apenas nas áreas de Matemática, Física e Química. Só na rede estadual de São Paulo, 21% dos cargos necessários estavam vagos no ano passado, como revelou o Estado na ocasião. A maior lacuna era em Matemática e Português, esse último com falta de 7,1 mil docentes - o governo do Estado afirma que os alunos não ficam sem aula, mesmo que acompanhados por professores de outras formações.
Em Língua Portuguesa, a pesquisa revela um dos maiores abismos. O número de concluintes entre 1990 e 2010, de 325 mil, é quase três vezes maior que a demanda calculada, em torno de 131 mil.
Só três disciplinas aparecem com razão negativa entre concluintes e demanda: Ciências, Língua Estrangeira e a já citada Física (veja o infográfico ao lado). Nas duas primeiras, os dados não refletem algumas condições: a área de Língua Estrangeira é atendida por formados em Letras, que tem alto índice de estudantes, e muitos professores de Ciências têm formação em Biologia - que tem a maior proporção de concluintes.
Ganho. O salário de um professor é, em média, 40% menor que o de um profissional de formação superior. Foi essa diferença de renda que fez Simone Ricobom, de 40 anos, deixar a docência em 1998 - após cinco anos na área - para trabalhar na Previdência Social. “Havia o pensamento de que o professor tinha de ser um pouco mãe e eu queria ser profissional. Também percebi que não havia projeção na carreira.” Ela voltou a atuar na educação infantil entre 2008 e 2012, dessa vez na rede particular, mas se decepcionou novamente.
O coordenador da Campanha Nacional pelo Direito à Educação, Daniel Cara, diz que o resultado da pesquisa desconstrói um falso consenso sobre um “apagão”. “Os dados reforçam que a principal agenda na questão docente é a da valorização”, diz. “Valorização é garantia de boa formação inicial e continuada, salário inicial atraente, política de carreira motivadora e boas condições de trabalho.”
Mínimo de 30%. Deliberação de 2014 do Conselho Estadual de Educação de São Paulo exige que as instituições de ensino superior sob sua responsabilidade, que incluem as estaduais (USP, Unicamp e Unesp) e fundações municipais, deverão oferecer nos cursos de formação de professores o mínimo de 30% da carga horária de conteúdo didático-pedagógico.
O documento ainda exige que cursos deem atenção a atividades práticas. O texto atual altera dispositivos de deliberação similar redigida em 2012. As instituições teriam até o ano passado para realizar as mudanças. Como cabe ao conselho aprovar o reconhecimento dos cursos, as estaduais conseguiram renovação temporária de um ano e depois devem se adequar.

Entrevista. Bernadete Gatti

Pesquisadora afirma que licenciaturas são frágeis e não oferecem formação suficiente aos futuros professores

'Currículo continua com estrutura do século 20'


Paulo Saldaña
01 Setembro 2014 | 02h 02
Qual é o nível de qualidade da formação de professores?

As licenciaturas têm currículos muito frágeis, as ementas e bibliografias são genéricas, não dão formação suficiente. Há uma redução de formação de conhecimento oferecido em boa parte das instituições. Elas têm tirado horas de formação disciplinar para atividades complementares, seminários culturais que a gente não sabe bem o que é. As instituições não estão encarando a formação desse profissional com seriedade. Vai de qualquer jeito, como se qualquer um pudesse ensinar. Não é verdade.
Em 2008, a senhora analisou a formação inicial das licenciaturas. Algo mudou?
Tive duas atualizações na pesquisa que mostraram o mesmo panorama. O currículo continua tradicional, com estrutura do início do século 20. Não tem 10% de formação em educação, de metodologia, prática de ensino, didática. Esse aluno vai para uma escola sem saber onde está, o que é uma rede, uma sala de aula. As licenciaturas nunca foram um foco de política coerente.
Mas esse modelo para a formação de professores é adequado?
A maioria dos países tem faculdade ou centro que forma professor. Nós não temos. Cada licenciatura está no nicho e não se encontram. A ideia nos outros países é que tem uma base formativa comum para todos e depois diversifica a formação. Defendo um centro de formação, para onde convergiriam os institutos básicos. Estudos têm mostrado que os docentes das faculdades de formação de professor têm dificuldade de ensinar. Até em instituições públicas. Temos percebido isso principalmente por causa do programa de iniciação à docência do MEC(Ministério da Educação), o Pibid. No Pibid tem de fazer um projeto para atuar na escola, que envolve o aluno, o professor supervisor e a escola. Às vezes, ele vem de área que não tem licenciatura e está tomando um choque.
O que ocorre no Brasil? Por que não se avança?
Outros países se preocuparam com a preparação do professor paralelamente com a reforma curricular. E o Brasil não conseguiu pensar assim.
Quem deve fazer isso?
A formação inicial é da competência do MEC. Mas o problema é que nunca tivemos uma política para atuar nacionalmente. Precisamos de uma política que pudesse atuar nessa direção. Porque vai ter de mexer com instituições públicas e privadas. E praticamente 75% dos cursos estão nas privadas. Um instituto superior de educação ficaria caro, porque teria de manter a estrutura.
O início das discussões da base nacional comum é um primeiro passo?
Parece que há a intenção do MEC de trabalhar a formação do professor.
Como melhorar a relação entre a universidade e a escola?
Deveríamos melhorar as condições de formação e sobretudo cuidar dos estágios. O estágio curricular não tem projeto claro, acompanhamento efetivo nem avaliação consistente. Precisaríamos de financiamento para os estágios.
E a questão salarial e de carreira? Quando se ataca isso?
Tem de ser paralelamente. Temos a Lei do Piso, que ajudou muito para algumas partes do Brasil, porque a gente tem diferenças. Tem de mudar a formação, mas também fazer estrutura de carreira mais condizente. A carreira não é só salário inicial. Pela pesquisa que fizemos de atratividade, vimos que o jovem pensa na projeção a longo prazo. Qualquer profissional atua mais tranquilamente com melhor salário e carreira. Mas a gente tem dificuldade de olhar o professor como um profissional. Não tem prestígio. Eu sei que o custo do setor público seria bastante elevado, mas gastamos com tanta besteira. A União precisa pôr mais dinheiro no Fundeb (Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação). A educação determina melhoria na saúde, no cuidado do meio ambiente. Aprendi que não adianta discurso. Vamos ver para onde vai o dinheiro. Onde está o dinheiro é a verdadeira política. Onde está e como é usado.
*BERNADETE GATTI É PESQUISADORA DA FUNDAÇÃO CARLOS CHAGAS E ESPECIALISTA EM FORMAÇÃO DE PROFESSORES

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