3 de maio de 2011

Merval Pereira : Mídias complementares


03 de maio de 2011
  O Globo


Merval Pereira

A notícia da morte de Osama bin Laden é um excelente exemplo de como as chamadas novas mídias e a mídia tradicional se complementam em vez de umas anularem as outras. Foi uma representante da mídia tradicional - assim entendidos os jornais, as revistas, as televisões e os rádios -, a rede de televisão CNN, quem primeiro informou o fato, que imediatamente foi colocado no noticiário da internet e retransmitido pelo Twitter mundo afora.
Como a notícia só foi divulgada tarde da noite, jornais impressos tiveram papel importante nesse episódio, pois provavelmente muitos cidadãos acordaram sem saber da notícia-bomba, divulgada depois que já haviam ido dormir.
As manifestações de júbilo patriótico em frente à Casa Branca, mesmo antes do anúncio oficial do presidente Barack Obama, foram possíveis por causa do Twitter, que retransmitia a notícia e atuava como instrumento de organização.
A reunião promovida pela Unesco para comemorar o Dia Internacional da Liberdade de Imprensa, que estou acompanhando em Washington, foi realizada ontem no Newseum, um museu dedicado ao jornalismo em suas diversas formas, mas que começou baseado nos jornais e ainda hoje tem neles sua principal marca, como foi possível constatar ontem.
O Newseum exibe todas as primeiras páginas dos principais jornais do mundo e dos EUA, e ontem tinha na calçada da entrada principal as primeiras páginas de jornais de cada estado americano. Nessa coleção podia-se ver refletido o sentimento uniforme de exaltação patriótica, como constatar que os jornais impressos, na repetição de suas manchetes ou forma gráfica, têm limitações que devem ser superadas pela qualidade da informação e pela profundidade das análises.
Na edição de ontem, o que raramente acontece nos últimos anos desde o surgimento das novas mídias e do noticiário 24 horas do rádio e da TV, os jornais foram, para grande parte dos cidadãos, o primeiro informante dessa notícia tão dramaticamente importante.
A maioria dos jornais americanos optou pela manchete informativa, o que se justifica pelo fato de ter sido divulgado tarde da noite: "Bin Laden está morto" (Bin Laden dead) ou no máximo "Bin Laden foi morto" (Bin Laden killed). Uma boa parte deu mais ênfase política à notícia, afirmando de diversas maneiras que "Estados Unidos matam Bin Laden".
O "Idaho Statesman" sofisticou um pouco mais e manchetou: "Comandos americanos matam Bin Laden". O Oklahoman tentou ser mais criativo: "EUA têm o corpo de Bin Laden". E o "New York Post" optou pelo popular: "Pegamos ele". E, em pequenas manchetes abaixo, reforçou a tentativa de refletir o que achava ser o espírito do povo: "Vingança afinal" e "EUA pegaram o bastardo". Um ou outro ainda usaram frase do presidente Obama na manchete: "Foi feita justiça".
Em um dos painéis do seminário, que discutia a importância das chamadas mídias sociais - Facebook, Twitter, Orkut - na divulgação de notícias, houve um consenso: as mídias sociais são meios de informação para os próprios jornalistas e instrumentos para os ativistas se organizarem.
O exemplo das revoluções ainda em curso nos países árabes foi repetido em todos os painéis, à exaustão. Andy Carven, do National Public Radio, que coordena o setor de mídias sociais e ficou famoso por sua atuação nas revoltas de Tunísia e Egito, disse considerar o seu trabalho semelhante ao dos âncoras dos noticiários de TV, pondo as notícias dentro de um contexto que facilita o entendimento e acompanhamento.
Lauren Indvik, editor do Mashable, um agregador de conteúdo de mídias sociais, lembrou que é cada vez menos inusual que uma notícia seja divulgada primeiro pelo Twitter, mas ressaltou que é preciso checar as informações antes de lançá-las na rede.
Um debate paralelo, mas muito relevante, foi o ocorrido em painéis que discutiram as novas formas de censura dos governos autoritários sobre a internet e os meios de relacionamento social. Houve consenso sobre a necessidade de auxiliar os lugares onde a internet não está desenvolvida, como na África, por exemplo.
Quem chamou a atenção para que é preciso dar atenção aos países que não têm acesso à internet foi Oscar Morales Guevara, criador no Facebook de uma página chamada "Um milhão de vozes contra a das Farc" na Colômbia.
No Vietnã, por exemplo, a internet ainda é transmitida por rádio, e Quan Niugyen, que tem um blog em defesa da democracia, diz que uma vantagem desse atraso tecnológico é que é mais difícil para o governo rastrear o usuário.
Ermini Milli e Adnan Hajizada, líderes jovens de movimentos a favor da democracia no Azerbaijão, ficaram 17 meses na prisão por defender seus ideais. Disseram que não há políticas de censura dos novos meios, mas quem é ativo na rede social é perseguido pelo governo.
Representantes de Índia, Haiti, Somália e Ilhas do Pacífico descreveram o baixo índice de acesso aos meios digitais em um painel dedicado ao tema. Shubhranshu Choudhary, um estudante bolsista de jornalismo da Índia pela Fundação John S.Knight, disse que apenas 7% dos cidadãos indianos têm acesso à internet, enquanto o telefone celular é acessível a cerca de 70% da população.
De manhã, Eric Newton, assessor da presidência da mesma fundação, havia remarcado que existem no mundo cinco bilhões de celulares para uma população de sete bilhões de pessoas, o que transforma esse aparelho na mais poderosa arma de comunicação existente hoje. A diferença de acesso na Índia fez nascer uma experiência bem-sucedida, relatada por Choudhary: as pessoas podem usar seu celular para chamar um número que liga diretamente a uma página da internet.
As informações podem ser passadas a voluntários, que as divulgarão. As comunidades rurais usam esse sistema para avisar às áreas urbanas suas necessidades, e receber ajuda. Celulares também permitiram aos cidadãos reagir em horas de crise, como aconteceu no Haiti depois do terremoto.
Michele Montas, que trabalha na missão da ONU naquele país, disse que mensagens de texto foram muito úteis para passar informações sobre a situação e receber auxílio on-line. Na Somália, o celular é parte integrante da vida do cidadão comum, disse Abdikadir Ahmed. Um ponto negativo nas Ilhas do Pacífico, que se beneficiaram muito com a internet, é a ilha de Tokelau, que se transformou num centro do crime cibernético internacional, apesar de só ter 1.400 pessoas habitantes.

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