22 de abril de 2012

Quando a lição acaba em violência

Correio Brasiliense, abril 22, 2012


A cada ano, professores se veem mais reféns de alunos. Pesquisas recentes feitas nos estados mostram aumento da insegurança no ambiente escolar

» PAULA FILIZOLA

Os vestígios de um trauma vivido há 13 anos em uma escola, em Ceilândia, não conseguiram tirar a professora Edielza Figueiredo, de 44 anos, das salas de aula. Entretanto, o episódio de agressão deixou marcas profundas, que são lembradas com clareza até hoje. Grávida de oito meses de seu terceiro filho na época, ela foi vítima de um aluno, supostamente drogado, que jogou uma mesa escolar contra sua barriga. "Na hora, eu mantive a calma e consegui até resolver o problema. Mas, quando cheguei em casa, comecei a sentir muito medo. Até contrações eu tive. Me senti vulnerável, não queria voltar", relembra.
Histórias como as de Edielza são rotineiras nas escolas da rede pública brasileira. Dados de uma pesquisa da Unesco, de 2006, revelam que 80% dos professores das principais capitais brasileiras enfrentaram, em algum momento, a violência no trabalho. No Distrito Federal, um terço dos profissionais já foi agredido em sala de aula. A falta de políticas públicas educacionais formuladas pelo Ministério da Educação (MEC) e por secretarias estaduais reforça o cenário assustador, que preocupa sindicatos e especialistas.
Os dados são alarmantes em várias partes do país. A pesquisa Observatório da Violência do Sindicato dos Professores do Ensino Oficial do Estado de São Paulo (Apeoesp), divulgada no ano passado, mostrou que os casos de agressão a professores nas escolas públicas paulistas têm crescido cerca de 40% por semestre nos últimos três anos. Já em Minas Gerais, um levantamento feito pelo Sindicato dos Professores do Estado de Minas Gerais (Sinpro-MG) revelou que a cada três dias um caso de violência é registrado contra docentes em escolas públicas ou privadas do estado. Em Brasília, a média chega a seis casos por semana. Porém, representantes de sindicatos alertam que o número pode ser maior, já que muitos docentes preferem não oficializar as denúncias.
Especialistas afirmam que, na maioria dos casos de agressão, as motivações são corriqueiras. "É uma nota baixa, um professor que chamou a atenção e tirou da sala de aula", analisa a socióloga e coordenadora da área de Juventude e Políticas Públicas da Faculdade Latino-Americana de Ciências Sociais (Flacso), Miriam Abramovay. Edielza acredita que os agressores acabam descontando a raiva de problemas pessoais nos docentes. "As motivações são externas. Eles trazem a bagagem de casa, que reflete na escola", acredita.
Agressões
Com 26 anos de magistério, Edielza conta que já passou por inúmeros episódios de violência nas escolas em que trabalhou em Ceilândia, Santa Maria e Taguatinga. Mesmo apaixonada pela profissão, a professora chegou até a pensar em largá-la. O pedido, inclusive, foi feito pelo seu filho mais velho, na época com 10 anos. "Ele me falava: "Mãe, você é muito inteligente, vai fazer outra coisa"", recorda. A professora, porém, escolheu continuar por "acreditar na educação".
Muitas vezes, porém, as agressões acabam afastando os docentes da sala de aula. No Rio de Janeiro, por exemplo, o sindicato acompanha de perto o caso de 10 professores que deixaram de lecionar por causa de ameaças sofridas e, hoje, estão de licença médica com diagnósticos de estresse pós-traumático ou síndrome do pânico. A pesquisa do Apeoesp aponta que 70% dos professores paulistas que sofrem de estresse foram vítimas de algum ato violento por parte de alunos.
O quadro também se repete em Brasília. Depois de ser vítima de perseguição por parte de uma gangue em Taguatinga, em 2010, o professor de educação física Hudson Paiva, de 33 anos, chegou a trocar de escola duas vezes e tirou seis meses de licença. Os agressores eram alunos de 11 a 17 anos do colégio onde ele trabalhava. "Eles me perseguiam, iam até a minha casa. Uma vez, eu estava na quadra dando aula e os meninos jogaram um pedaço de vidro com álcool e fogo", relata. De volta à ativa, Hudson convive hoje com características típicas de um trauma. "Eu fico alerta o tempo todo. Se levantarem a voz, registro logo uma queixa na delegacia", acrescenta.
Miriam Abramovay ressalta que, para solucionar o problema, é preciso criar um plano de convivência escolar, com políticas educacionais consistentes, que também capacitem melhor os docentes. "Não existe hoje um diagnóstico sério do que está acontecendo nas escolas. É um livro fechado", critica a especialista.
Já o secretário de assuntos educacionais da Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE), Heleno Araújo, acredita que o problema é a falta de limites dos estudantes. "Eles acham que têm todos os direitos. Salas lotadas, falta de material e professores sem condições adequadas de trabalho propiciam um ambiente para a violência. Fica difícil criar uma relação professor-aluno", explica.




Aumento dos casos de agressão contra professores amplia debate sobre mudanças no Estatuto da Criança e do Adolescente




Descrito como atrevido e indisciplinado, o aluno Carlos*, de 16 anos, provocou o professor de sociologia Roberto* ao acender um cigarro de maconha dentro da sala de aula em um colégio público do Recanto das Emas. O menino era conhecido na região por participar de uma quadrilha de traficantes. Após levar o estudante à direção da escola, foi aconselhado a registrar o caso na delegacia. Foi quando recebeu uma ameaça do rapaz. A delegacia o orientou a pedir a transferência de instituição. Quatro meses após o episódio, o professor retornou e foi informado de que o adolescente havia sido assassinado. Ainda assim, Roberto convive diariamente com o medo, porque incidentes como o de Carlos não são isolados. Recentemente, no Rio de Janeiro, um aluno de 14 anos ameaçou voltar à escola acompanhado de traficantes depois que a direção chamou seus pais para uma reunião.
Episódios como esses favorecem a ampliação do debate em torno de punições mais severas aos infratores e da presença constante de agentes do Batalhão Escolar nas escolas da rede pública. Atualmente, a equipe policial só aparece quando é solicitada. Apesar dos casos cada vez mais frequentes de violência contra professores, a socióloga Miriam Abramovay acredita que a tendência de judicializar a educação é ruim. "Falta diálogo nas escolas. Os pais precisam participar mais. Porém, o caminho não é levar para o Judiciário", defende a especialista. O coordenador de Educação da Unesco, Paolo Fontani, concorda. "Sabemos que escolas mais ligadas à comunidade são menos violentas."
Para o presidente da Federação dos Trabalhadores em Educação de Mato Grosso do Sul (Fetems), Roberto Magno Botareli Cesar, é preciso rever o Estatuto da Criança e Adolescente, porque a impunidade acaba resultando em mais agressões. A solução, segundo ele, pode ser o projeto de lei da deputada federal Cida Borghetti (PP-PR), que atualmente aguarda designação de relator na Comissão de Educação da Câmara dos Deputados. Caso a proposta seja aprovada, o estudante infrator ficará sujeito a suspensão e, na hipótese de reincidência grave, será encaminhado à autoridade judiciária competente. A iniciativa da parlamentar mudaria o artigo 53 do Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei 8.069/90) para incluir o respeito aos códigos de ética e de conduta das escolas como responsabilidade e dever da criança e do adolescente estudante.
Na opinião do desembargador e coordenador da Infância e da Juventude do Tribunal de Justiça de São Paulo, Antonio Carlos Malheiros, o projeto não resolve o problema. "Não precisamos de novas leis. Se a vigente não é aplicada, é um sinal de displicência. Ou muitas vezes de medo dos professores e diretores da escola de denunciarem. Mas o estatuto é uma das leis mais completas que temos", justifica.
*Nomes fictícios para preservar a identidade dos entrevistados "Falta diálogo nas escolas. Os pais precisam participar mais. O caminho não é levar para o Judiciário" Miriam Abramovay, socióloga

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