5 de dezembro de 2012

Metas para a educação precisam sair do papel



 
Melhorar a qualidade da educação no Brasil é meta crucial para o desenvolvimento econômico sustentável. 

As ações precisam sair do papel e os seus resultados devem ser acompanhados para que o sistema educacional brasileiro preencha importantes lacunas na formação de mão de obra qualificada e, principalmente, atue no avanço dos índices sociais.  "Somente conseguiremos um país melhor - do ponto de vista de crescimento sustentável e do capital social - se houver educação de qualidade para a geração atual e as futuras", defende Jorge Gerdau Johannpeter, presidente do Conselho de Administração da Gerdau.

O executivo, que acompanha ativamente programas para melhorar gestão nas cadeias produtivas e ações de capacitação de mão de obra, representa as angústias do empresariado brasileiro. A alternativa das empresas para suprir deficiências de qualidade dos ensinos básico, médio e superior está em aportar recursos em capacitação para conquistar maior competitividade e eficiência em seus quadros.

Os investimentos em educação profissional são legítimos e existem nos países desenvolvidos. O contrassenso, no caso brasileiro, está na necessidade de as empresas pagarem professores para ensinar matemática e português, matérias que deviam ser dominadas por qualquer profissional que possua, no mínimo, o ensino básico. "O sistema de ensino precisa garantir que o trabalhador consiga entender o que lê e ter raciocínio matemático. É o mínimo para termos mão de obra produtiva", comenta Jairo Martins, superintendente geral da Fundação Nacional da Qualidade (FNQ).

Os resultados do último Indicador de Analfabetismo Funcional (Inaf) apontam os desafios do Brasil. De acordo com a pesquisa, publicada em 2011 pelo Instituto Paulo Montenegro e pela ONG Ação Educativa, apenas 26% da população brasileira (entre 15 e 64 anos) atinge um nível pleno de habilidades para leitura e raciocínio matemático - capacidades que deveriam ser adquiridas ao final do ensino fundamental. Os analfabetos funcionais somam 27%, sendo que 47% desenvolveram capacidades básicas de leitura e matemática (o que significa que compreendem textos de média extensão, localizam informações, leem números na casa dos milhões e resolvem problemas simples).

Em dez anos de acompanhamento dos níveis de alfabetismo no País, o Inaf aponta evoluções como a ampliação do acesso à escolarização e a transição do analfabetismo absoluto ou da alfabetização rudimentar para um nível básico de habilidades de leitura e matemática, mas não deixa dúvidas de que o caminho é longo. Entre as pessoas que completaram de uma a quatro séries de escolaridade, mais da metade (53%) permanece nos níveis do analfabetismo funcional. Já no grupo de indivíduos que completaram, no mínimo, um ano (ou série) do segundo ciclo do ensino fundamental, o índice cai para 26%. Entre as pessoas com ensino médio - nível no qual se esperaria que todos ingressassem com alfabetismo pleno - apenas 35% possuem habilidades capazes de considerá-las totalmente alfabetizadas. A maioria permanece no nível básico (57%) de alfabetização. Entre avaliados no ensino superior, o nível pleno fica longe de corresponder à totalidade, englobando 62% dos estudantes.

Estudo realizado pela FNQ, que reproduziu metodologia utilizada pela consultoria McKinsey, revela o peso da educação nas estratégias de 194 companhias. Entre os entrevistados, 91% consideram como força de transformação para os negócios questões como demografia, sociedade e produtividade do trabalho - quesitos ligados à educação. Em uma questão complementar sobre o assunto, 84% dos respondentes disseram que esses três temas são importantes para o negócio, 74% admitem que os quesitos têm efeito positivo sobre os lucros e 66% afirmaram que suas corporações possuem ações relacionadas a essas forças.

Olhando o mercado brasileiro de perto, o estudo identificou que a melhoria na educação, a produtividade do trabalho e a gestão de talentos são as forças capazes de influenciar positivamente os lucros, com 90% de concordância entre os executivos. Para minimizar as lacunas deixadas pelo sistema formal de ensino, 80% das empresas destinam recursos a ações de educação, produtividade e gestão de talentos. "Na medida em que a economia se torna mais aquecida, aumentam as dificuldades para contratar profissionais qualificados. As empresas são afetadas pela baixa produtividade de seus colaboradores", diz.

Preocupada com a influência da educação na competitividade das empresas, a FNQ realizou ainda levantamento com 137 empresas filiadas à entidade. Os principais resultados revelam que 95% dos empresários não consideram o sistema educacional brasileiro adequado às oportunidades econômicas que o país tem no momento; 88% declararam dificuldade para contratar mão de obra qualificada e 92% afirmaram investir em programas de capacitação - sendo que 59% das empresas mantêm inclusive ações para não funcionários. A pesquisa revelou ainda que 97% dos entrevistados associam capacitação com bom desempenho profissional.

Para os empresários brasileiros, o maior gargalo da educação está na qualidade do ensino básico (37%), seguido pelo ensino universitário (32%) e ensino técnico (31%). Eles ainda acreditam que as empresas (44%) estão tomando frente das iniciativas para melhoria do ensino no país. "O ensino básico é a raiz de todos os problemas. O que não foi assimilado na infância e início da adolescência cria um efeito cascata que vai até a universidade", afirma Luiz Guilherme Scorzafave, professor da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (FEA-RP/USP).

Outro complicador é o fato de que os esforços empreendidos nos últimos anos pelo governo federal e sociedade demoram a ser percebidos pelo mercado de trabalho. "O Brasil optou pelo modelo de universalização do ensino básico. Não temos mais problemas com vagas, mas precisamos de programas para melhorar a qualidade e isso vai depender de investimentos, melhora na gestão escolar e de comprometimento da sociedade", destaca o professor.

Entre as ações necessárias, Scorzafave destaca a antecipação da alfabetização e o acompanhamento constante para evitar a evasão escolar. De acordo com ele, na segunda etapa do fundamental, muitos alunos desistem, principalmente os que estão atrasados ou apresentam maior dificuldade de ensino. "A escola vai ficando cada vez mais distante do interesse da criança". No ensino médio, a evasão ainda é grande e há falta de estímulo para o adolescente. "O currículo é vasto demais e pautado pelos vestibulares. Quem não vislumbra um curso universitário fica sem opção, não vê sentido no curso", comenta.

Entre especialistas e empresários, o consenso é de que apenas investir capital não dará resultado. "A escola precisa de uma transformação, que inclui desde adaptação de currículo até melhoras significativas na gestão", explica o especialista da USP. O percentual do PIB investido em educação subiu de 3,9%, em 2000, para 5,1% em 2010. Até agora os impactos sentidos foram pequenos. "Dinheiro é importante, mas tem de vir acompanhado de uma proposta séria de gestão da qualidade e do ensino. Se há recursos, eles precisam ser bem utilizados", defende Martins, da FNQ.

A entidade propõe a adoção de um modelo de gestão nas escolas, adaptado a partir dos moldes utilizados por corporações brasileiras. "Temos um documento pronto e somos capazes de ajudar as escolas a gerir melhor os recursos". Scorzafave concorda com a necessidade de adoção de melhores práticas de gestão e cita que em duas escolas, com as mesmas condições financeiras e sociais, o que faz realmente a diferença é a capacitação gerencial da direção e dos docentes. "Preparar e valorizar os professores, oferecendo carreiras atrativas, com base na meritocracia, também é de suma importância para alcançarmos um sistema de qualidade", lembra Gerdau.

Apesar de crítico, o ensino no Brasil tem apresentado melhorias. Entre elas, o professor da USP cita o Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb), que cresceu de 3,8 (2005) para 5,0 (2011) no conteúdo medido nos primeiros anos do ensino fundamental, período que tem angariado grande esforço do governo. A meta é alcançar média 6,0 em 2021, o que colocaria o Brasil em melhores posições quando comparados com outros países. Outro objetivo é evoluir continuamente na medição da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), o teste Pisa.

A falta de qualidade no ensino básico ampliou a desigualdade social, alijando do mercado de trabalho jovens e adultos das classes C, D e E, que dependem do ensino público. Para piorar a situação destas pessoas, muitas delas não têm referência de profissionais vencedores em suas famílias, não conhecem as competências comportamentais necessárias para conquistar e manter empregos e têm dificuldades em se colocar no ambiente empresarial. "O Brasil está em uma situação de pleno emprego, a alternativa é atrair os jovens para o mercado de trabalho", comenta Guilherme Oliveira, gerente de Recursos Humanos do Instituto Coca-Cola Brasil e responsável pelo programa de empregabilidade Coletivo Coca-Cola.

O projeto atua com a capacitação de jovens entre 15 e 25 anos oriundos das classes C, D e E (90% deles em busca do primeiro emprego). "Descobrimos que as dificuldades vão além do ensino, o trabalho tem de abarcar a questão social", diz Oliveira. As deficiências na educação formal são apenas uma das faces da exclusão. No Coletivo Coca-Cola, os jovens aprendem primeiro que podem conquistar um espaço no mercado de trabalho, uma aula de autoestima que explica a importância do emprego formal, os processos seletivos e dão dicas de comportamento.

A partir do desenvolvimento destas competências é que os jovens despertam para a necessidade de buscar mais conhecimento, voltar a estudar e reforçar suas habilidades básicas, como português e matemática. "Buscamos exemplos dentro de suas próprias comunidades", afirma Oliveira.
(Valor Econômico)

Nenhum comentário:

Postar um comentário