Tão suspeita quanto o chilique da revista "The Economist" é a avalanche de artigos
sobre o desempenho econômico do Brasil, inteiramente ofuscados por seu Produto
Interno Bruto (PIB) "fraco", "medíocre", "pífio", "pigmeu", "raquítico", "tíbio",
"tímido", ou "Pibinho".
Todas essas variantes revelam quanto é mais cômodo deixar-se levar pelo
reducionismo contábil do que atinar para as reais influências das variações do PIB
sobre ao menos oito determinantes do desenvolvimento: coesão social, educação,
emprego, estabilidade, governança, igualdade, infraestrutura (com realce para o
saneamento) e saúde. Oito dimensões da qualidade do crescimento.
O pressuposto reducionista é que, em todas as sociedades e momentos históricos,
as taxas de variação do PIB teriam impactos diretamente proporcionais no
agregado das oito dimensões. Crendice cabalmente desmentida pela atual
qualidade do crescimento econômico do Brasil: a melhor do mundo, quase idêntica
à suíça, que ocupa o segundo lugar.
Prever se a taxa de crescimento voltará ao patamar acima de 3%
em 2013 e 2014 é menos relevante do que parece
Dos países que participam diretamente do G-20, sete têm desempenhos não muito
distantes do suíço-brasileiro: França, Indonésia, Austrália, Coreia do Sul, Reino
Unido, Turquia, Canadá e Alemanha. Nenhum dos outros quatro Brics chega sequer
a ter qualidade de crescimento acima da média mundial. Na China e na Índia ela
chega a ser comparável à do Haiti.
Realmente preocupante na situação econômica do Brasil não é a lentidão com que
seu PIB vem aumentando, mas a falta de longevidade para essa extraordinária
capacidade de converter crescimento em desenvolvimento. Tenebroso é o cenário
para as próximas gerações.
Entre as 150 economias que dispõem de estatísticas confiáveis, a brasileira
despenca do 1º para o 65º lugar ao serem considerados os vetores que mais
condicionam a produtividade futura: preparo e instituições necessários às
inovações tecnológicas e ao empreendedorismo, capacidade de investimento,
equilíbrio das finanças públicas, manejo macroeconômico, rede de proteção social e
demografia.
Na avaliação de longo prazo, o Brasil até se sai melhor no G-20 do que Indonésia,
África do Sul e Índia. Mas praticamente empata com a China e sofre o vexame de
perder feio para Rússia, Turquia, Argentina e México.
Então, prever se nos próximos dois anos a taxa de crescimento voltará ou não a
patamar acima de 3% é muito menos relevante do que parece, por mais que tal
prognóstico seja absolutamente transcendente para quem está plugado nas
próximas eleições.
Sob o prisma do interesse nacional e do bem-estar das futuras gerações, importa
muito mais entender as razões da imensa distância que separa a atual excelência na
tradução de crescimento em desenvolvimento e o sombrio prognóstico sobre o
alcance histórico de tão virtuoso desempenho.
Seria muita pretensão arriscar alguma resposta simples para questão dessa
complexidade. O que dá para fazer aqui é chamar a atenção do leitor para a
gravidade que adquiriu no Brasil o choque - sempre recorrente em sociedades
democráticas - entre ciclo eleitoral e orientação estratégica.
É inevitável que prognósticos sobre as taxas de aumento do PIB para os próximos
dois anos sejam absolutamente cruciais para os 70 mil políticos com mandatos
eletivos e suas vastas legiões de assessores, correligionários e simpatizantes. Já para
quase todo o restante da sociedade - a começar pelo empresariado - deveria parecer
muito mais decisivo descobrir de que maneira o potencial de longo prazo do Brasil
poderia se aproximar dos do Chile e do Uruguai, mesmo que não dê para sonhar
com os de Cingapura, Hong Kong ou Coreia do Sul. Muito menos com os dos países
do primeiro mundo, isolados na dianteira global, sob a vanguarda dos
escandinavos.
O mais sério problema nacional está nessa contradição entre o inexorável
imediatismo da dinâmica política democrática e a serenidade requerida pela ação
estratégica. Diante dele, tanto os recentes posicionamentos das entidades de classe,
sejam patronais ou trabalhistas, quanto os comportamentos da intelectualidade e
da mídia, são indícios de profunda debilidade da sociedade civil.
Em tal contexto, a principal diretriz da Secretaria de Assuntos Estratégicos (SAE)
deveria ser mobilizar pesquisadores de todas as áreas com o objetivo de se
investigar por que este país chega a vencer o campeonato mundial de qualidade do
crescimento e simultaneamente projetar futuro tão incerto, para dizer o mínimo.
Contudo, por mais meritórios que sejam os programas da SAE e do vinculado
Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social (CDES), eles não poderiam estar
mais alheios a parecido desafio.
Fica então uma sugestão de fim de ano para quem queira entender melhor a
cegueira induzida pelo reducionismo contábil: aproveitar alguns momentos do
recesso que se avizinha para refletir sobre os resultados da pesquisa "From Wealth
to Well-Being", apresentados em relatório recém-lançado pelo The Boston
Consulting Group.
José Eli da Veiga é professor dos programas de pós-graduação do
Instituto de Relações Internacionais da Universidade de São Paulo
(IRI/USP) e do Instituto de Pesquisas Ecológicas (IPÊ), escreve
mensalmente às terças. Página web: www.zeeli.pro.br.
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