4 de dezembro de 2012

O olhar crítico do juiz Por José Cleves


MÍDIA & PRECONCEITO  Observatorio da inprensa

 em 04/12/2012 na edição 723

Detesto falar de problema racial, mas tem hora que a coisa vai além da medida. O ministro Joaquim Barbosa já está com o saco cheio pelo estereótipo da imprensa que vincula tudo o que ele faz com a cor da sua pele, como se fosse a coisa mais estranha do mundo um negro ser inteligente, competente e poderoso. Ora, a arte, pelo menos essa, nos ensina que o talento independe de cor, credo, raça e até do caráter e inteligência porque é nato, vem de nascença, do dom que a pessoa tem para aprender e executar determinadas atividades dificílimas para outros mortais, ainda que tente com mais tempo e recursos do que o que já nasce pronto.
Joaquim Barbosa nasceu talentoso e o seu talento associado à inteligência, boa memória e disposição para a luta, o fez um sábio, não um gênio, mas um homem raro, como tantos outros que temos por aí, alguns vivendo no anonimato, por falta de oportunidade na vida, e outros contribuindo para o bem e/ou para o mal da humanidade, depende de como a pessoa emprega o seu conhecimento. Pergunto: onde está a cor nisso, se estamos falando de um poder divino, misterioso, endógeno, vindo do cérebro diretamente para os sentidos e os membros, como Aleijadinho, que perdeu os dedos e continuou esculpindo obras raríssimas, ou Beethoven que, surdo, fazia sinfonias igualmente raras, ou o nosso comediante Geraldo Magela, que de cego só tem o nome?
O ufanismo de determinados jornalistas ao vincular tudo que o ministro faz à sua cor nos remete aos clichês antigos e nojentos, quando os senhores da terra e do mar denotavam deslumbramento pela habilidade do escravo, do filho preto da empregada ou do mequetrefe da tábua de pirulito que, às vezes, o surpreendiam por “agir como os brancos”.
O quanto a sociedade é insignificante
O saco de Joaquim Barbosa já estourou há muito tempo com essa badalação em torno de seu nome. Não pelo que ele pode e está fazendo pela nossa justiça, mas pelo deslumbramento que a sua cor provoca na maioria branca que detém o poder no país. Foi aí que ele se voltou para o repórter da televisão, negro como ele, e exasperou-se: “Até você, meu brother, vai ficar me olhando com essa cara de espanto como os brancos?”
Observatorio da imprensa, 4/12/2012

O mundo já sofreu e ainda sofre muito por conta da cor da pele, principalmente da pele negra, que é a mais discriminada. Hitler foi elevado ao posto de satanás-chefe por conta da matança que promoveu defendendo uma raça pura, ariana, mas a pólvora em forma de cones disparados das armas legais em regimes controlados pela maioria, independentemente da cor e da raça, continua matando muito mais as pessoas de pele negra do que branca. No Brasil, onde essa cor de pele é predominante, preto, pobre e puta costumam ter valor igual, mais pelo peso que a cor da pele tem do que pela falta de dinheiro e a safadeza. Aliás, preto e pobre, que Nélson Rodrigues chamaria de “óbvio ululante”, no feminino dá puta, na visão da sociedade mesquinha.
Enganam-se os mestres da escola sociológica e da antropologia criminal que desassociam a origem da violência urbana da formação humana, o homem como produto do meio, e nessa concepção etimológica do crime deve ser levada em consideração a cor da pele, não como fator da violência, mas como reflexo dela, porque temos, nesse caso, a questão da ressonância. O elemento branco vê o negro e logo há uma reação de espanto ou de repugnância, dependendo do que faz o indivíduo que ele está vendo.
Se ele não agrada, roga praga, distancia, e se acha interessante o que o cara faz, demonstra espanto, do tipo: Oh! Ele é ótimo, legal, interessante, diferente. É esse sentimento que faz os Joaquins da vida saírem do sério porque somente eles, que têm família da sua cor negra, sabem o quanto a sociedade é insignificante. É como dizia o meu ídolo Bob Marley: “Enquanto a cor da pele for mais importante que o brilho dos olhos, haverá guerra.”
Em tempo: Deu no Globo (29/11): “Enquanto o número de homicídios de brancos caiu 25,5% no Brasil, entre 2002 e 2010, o de negros aumentou 29,8%. Em números absolutos, o total de vítimas negras subiu de 26,9 mil, em 2002, para 34,9 mil, em 2010, ante uma redução de 18,8 mil para 14 mil nos assassinatos de brancos, no mesmo período. É o que revela o ‘Mapa da Violência 2012 – A cor dos homicídios’, divulgado nesta quinta-feira pela Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial.”(E CEBELA E FLACSO)

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