MARCOS TROYJO
É improvável que Pequim deseje financiar sua condição de líder global. Tal status é incompatível com o modelo de crescimento que adotou
Com a recente elevação de Xi Jinping ao status de premiê chinês, pergunta-se cada vez mais como se dará o desdobramento da ascensão da China no cenário global. Será que, além de ser motor do crescimento mundial, a China também deseja exercer maior liderança? Ser vista como única potência de dimensão semelhante à dos EUA?Muitos analistas rapidamente decretam que o impressionante crescimento econômico chinês delineia uma nova ordem global, em que a China será a potência preponderante. Existem, no entanto, graves falhas nessa maneira de ver o desenrolar das relações internacionais nos próximos 50 anos.
Historicamente, como bem exemplifica Henry Kissinger em seu "Sobre a China", líderes chineses sempre enxergaram sua cultura como intrinsecamente superior. O modelo chinês de império se caracterizou ao longo do tempo não pela expansão de sua cultura, mas pela absorção de outras culturas. Diferentes civilizações, localizadas em seu entorno geopolítico, foram incorporadas à visão de mundo chinesa.
O fechamento a outras culturas incutiu na alma e na arquitetura chinesas marcas perceptíveis. Vem à mente o hermetismo da Cidade Proibida ou o da Grande Muralha, monumentos ao isolacionismo chinês.
É curioso constatar que a recente ascensão da China se dá como notável exceção a seu paradigma histórico de insularidade. Por causa de uma "externalidade geopolítica" dos anos 1970 --a necessidade dos EUA de rachar a viga mestra do comunismo mediante a promoção do cisma sino-soviético--, os benefícios econômicos estendidos à China a reconfiguraram como potência exportadora. Seu êxito resulta portanto de uma "mudança de DNA"; de ter seu crescimento voltado para fora.
A ideia de "liderança global" é um experimento a que as autoridades chinesas ainda não decidiram se lançar. A extroversão da China em outros campos que não o da economia é obra difícil. Na arena política global, a visão chinesa tem sido de "crítica parcial", não necessariamente de oposição a um sistema protagonizado pelos EUA.
A razão é simples. A geopolítica dos últimos 30 anos, em que a China é menos um ator e mais um espectador, criou ambiente propício à continuada prosperidade chinesa.
A China talvez seja o país que menos contribuiu para as operações de paz da ONU entre os países-membros do Conselho de Segurança. É ainda o que mais oferece resistência a movimentos de reforma do conselho, particularmente ao aumento do número de membros permanentes.
Liderança global, hipótese em que a China teria de assumir mais responsabilidades no campo da paz e segurança, é um luxo bastante caro. Ao passo que, em 2012, cada cidadão norte-americano despendeu US$ 1.700 com defesa, cada chinês gastou apenas US$ 65.
É improvável que a China deseje financiar sua condição de líder global. Tal status é incompatível com o modelo de crescimento adotado até o presente por Pequim. Ademais, embora muitas nações flertem com a experiência chinesa de crescimento econômico, é impossível reproduzi-la como modelo "adaptável" a diferentes realidades socioeconômicas.
E há também limitações em termos de "soft power". Se liderança tem que ver com o plano dos valores, que projeto a China tem a oferecer ao mundo? Assim, dificilmente pode-se pensar a China como "role model", um exemplo a ser seguido, ou mesmo imaginar um "sonho chinês" a inspirar indivíduos ou países das mais variadas culturas.
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