Folha de S.Paulo, 3/4/2013
A irresponsabilidade dos motoristas não deve nem pode ser tratada pela lei como simples acidente, quando, na verdade, é crime
A falta de educação, reforçada pela imprudência e sensação de impunidade, rouba muitas vidas e deixa um rastro de sangue nas estradas e cicatrizes nos corações e mentes dos que sobrevivem à perda de parentes e amigos.
Essa dura realidade se agrava cada vez mais. Dados oficiais divulgados regularmente indicam que as mortes de jovens em acidentes de trânsito, nos últimos dez anos, cresceram mais de 30%.
O progressivo agravamento da violência no tráfego das vias públicas levou a Organização das Nações Unidas (ONU) a proclamar 2011-2020 como a década de ação pela segurança no trânsito.
Há 17 anos, perdi um filho e uma neta em desastre de carro na cidade de São Paulo. Ele, 25 anos; ela seis meses. Ricardo, ilustrador e cartunista, era casado e tinha três filhos. Mariana, que morreu com ele, a caçula.
Naquela madrugada de 1996, um lacônico telefonema anunciou: morreu Ricardo Filho, morreu Mariana. O irresponsável que avançou o semáforo vermelho e os matou fugiu, desapareceu. Enterrei filho e neta juntos -um ato contra a lei da natureza.
Passados longos 15 anos, após uma luta sem trégua marcada apenas pela busca de justiça, jamais de vingança ou reparação financeira, o criminoso foi encontrado e julgado. Respondeu em liberdade à condenação de apenas um ano e nove meses.
Jamais aceitei a condição de vítima. Sofri tudo o que era possível. Cheguei ao fundo do poço e voltei, sobrevivente, para seguir o meu destino.
Mas cabe mudar a realidade que vivemos neste país. O investimento em educação precisa ser de no mínimo 10% do PIB (produto interno bruto). As leis de trânsito precisam ser mais rigorosas. As penas precisam ser maiores e realmente cumpridas.
O número oficial de mortos no Brasil vítimas de acidentes de trânsito é de cerca de 40 mil por ano. Porém sabe-se que são contabilizados apenas aqueles que morrem no local do acidente. Muitos acreditam que esse número passe dos 50 mil mortos anuais.
A irresponsabilidade dos motoristas não deve nem pode ser tratada pela lei como simples acidente, quando, na verdade, é crime.
Muitos perguntam-me o porquê de relembrar a tragédia que vitimou a nossa família. A resposta é simples: para não acontecer de novo com outras pessoas.
Cabe à sociedade, em sua legítima defesa, lutar por mais educação e pelo cumprimento de procedimentos que garantam os meios de provar a culpa dos motoristas alcoolizados e dos que dirigem de maneira insana. É preciso que as penas sejam mais rigorosas e, de fato, cumpridas. Por você, por nós, pelo futuro do Brasil.
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