12 de setembro de 2011

Para educadores, ranking do Enem não avalia qualidade da escola


12/09/2011 12/09/2011 16h26
Especialistas afirmam que notas médias ‘apagam diferenças sociais’.

Sistemas não pontuais que avaliam a evolução do aluno são mais precisos.

Ana Carolina MorenoDo G1, em São Paulo
Colégio WR tem por média 55 alunos por sala de aula (Foto: Humberta Carvalho)Estudantes do ensino médio de colégio particular de
Goiânia (Foto: Humberta Carvalho)
O resultado de determinada escola no Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) não deve ser o único critério para que pais decidam matricular seus filhos nela, afirmam especialistas em educação ouvidos pelo G1. De acordo com os educadores, a comparação entre escolas não dá pistas sobre a qualidade do ensino, e o uso do Enem como "vestibular" não mede os desafios que o estudante enfrenta no aprendizado durante o ensino médio.
O uso mercadológico desse ranking pelas escolas, segundo o professor da USP, apela para o tipo de público que dá muito valor ao ingresso à universidade e ao posicionamento “do aluno no processo de disputa”.
Ocimar Munhoz Alavarse, professor de avaliação e política educacional Faculdade de Educação da USP, diz que “o Enem a cada ano mais está se transformando num grande vestibular” e, por isso, “derivar a qualidade da escola [a partir do ranking do Enem] é questionável”. De acordo com ele, o ranking só tem utilidada para “os pais são aqueles que acham que passar no vestibular é a melhor característica da escola”.  Alavarse explica que a prova mede habilidades específicas de cada aluno individualmente e, por isso, não pode ser considerado o único indicador de qualidade “se você levar em conta série de desafios colocados no ensino médio”.
A lista, porém, não abrange a realidade das escolas. “Hoje a imensa maioria das escolas não tem condições de organizar seu currículo em função do que o Enem cobra.” Alavarse diz que, para avaliar as escolas, prefere os dados do Sistema de Avaliação da Educação Básica (Saeb), exame aplicado a cada dois anos por amostragem de alunos.
Para a coordenadora do curso de pedagogia da Unicamp, Maria Márcia Sigrist Malavasi, o Enem não é um sistema de avaliação.

De acordo com ela, “só se pode avaliar de fato a qualidade da escola se for feito acompanhamento dos alunos que estão lá, mais de um exame daquele mesmo aluno para ver quanto de melhoria a escola o ajudou a ter”.

A coordenadora de psicopedagogia da PUC de São Paulo, Neide Noffes, afirma que “a competição e a comparação [entre escolas] não dá pistas”, porque só mostra as notas, mas “não elenca os atributos dessas escolas”. Escolher a escola ideal para os filhos, segundo ela, é uma tarefa que precisa levar em conta outros critérios.

“Nenhum pai quer o filho na pior escola, mas, normalmente, a escola boa também é uma escola média. Ela tem que ter um bom perfil, mas não precisa ser o topo de linha, senão vira muita competição”, diz.

Pública versus privada

A inclusão das escolas privadas e públicas em uma mesma lista é considerada arriscada para avaliar efetivamente cada colégio, segundo os educadores. “Não se pode comparar escolas com situação muito diferente de nível sócio-econômico, porque você pode cometer enormes injustiças à escola que tem seus alunos ingressantes com muito mais dificuldades que outros”, diz Maria Márcia.

Ela acredita ainda que a divulgação das escolas por média final acaba mascarando detalhes sobre a evolução dos alunos. “Achamos ingenuamente que a escola particular faz mais [pelo aluno]”, já que “alguma escola que, aparentemente, tem classificação menor, pode ter avançado muito mais com os estudantes porque os recebeu com grau de conhecimento muito pequeno, do que uma escola que já recebeu alunos em outro patamar e agregou muito pouco a eles”, diz ela.

Alavarse, da USP, também afirma que não se pode comparar escolas públicas e privadas como se elas estivessem “na mesma magnitude” porque isso “apaga as diferenças sociais”. De acordo com ele, cerca de 90% dos estudantes brasileiros frequentam escolas públicas. “Dentro desses 90%, há escolas em situações muito precárias”, explica ele.

O professor destaca ainda que mais da metade dos alunos do terceiro ano do ensino da rede pública estudam no período noturno, que “em geral tem funcionamento ainda mais precário”.

Enquanto Alavarse diz que o resultado não apresentou novidades, a professora da Unicamp, porém, acredita que o ranking do Enem, da forma como foi divulgado, “reflete o quadro social” do Brasil. A solução, segundo ela, é “investir muito mais na escola pública, para tentar diminuir o efeito perverso do nível sócio-econômico dos estudantes que ingressam nela”.
Colégio São Bento, do Rio: primeiro colocado no ranking nacional do Enem (Foto: Alba Valéria Mendonça/G1)Colégio de São Bento, do Rio: primeiro colocado no
Enem (Foto: Alba Valéria Mendonça/G1)
Colégio do RJ tem a maior média
Os colégios particulares dominam o topo da lista do Enem. O Colégio de São Bento, do Rio, obteve a maior média, com 761,7 pontos. Em segundo lugar aparece o Instituto Dom Barreto, de Teresina (PI), seguido pelo Colégio Vértice, de São Paulo; Colégio Bernoulli e Colégio Santo Antônio, de Belo Horizonte; Colégio Cruzeiro, do Rio; e Educandário Santa Maria Goretti, também de Teresina. A melhor escola pública da lista é o Colégio de Aplicação da Universidade Federal de Viçosa (MG), que aparece em oitavo lugar no geral.
Entre as 13 escolas públicas que aparecem na lista das cem com melhores médias no Enem, sete são ligadas a universidades públicas (Coluni - Colégio de Aplicação da Universidade Federal de Viçosa-MG, Colégio de Aplicação da Uerj, Colégio de Aplicação da Universidade Federal de Pernambuco, Escola do Recife FCAP Universidade Estadual de Pernambuco, Colégio Politécnico da Universidade Federal de Santa Maria-RS e Colégio de Aplicação da UFRJ); quatro são colégios militares (CM Belo Horizonte, CM Campo Grande, CM Juiz de Fora e CM Porto Alegre), uma é escola técnicas (ETE de São Paulo) e uma é escola federal (Colégio Pedro II, do Rio).
Escola aparece na pior colocação de SP em um dos grupos estipulados pelo MEC (Foto: Juliana Cardilli/G1)Escola indígena de Bertioga (SP) teve a pior média
entre as com 75% de presença no Enem (Foto: Juliana
Cardilli/G1)
Escola indígena teve pior desempenho
As escolas públicas dominam a lista das escolas com pior desempenho entre as que tiveram mais de 75% de participação no Enem 2010. Das mil piores, 704 são públicas e 296 são privadas. Entre as que tiveram de 50% a 74,9% de participação, a diferença é ainda maior: 987 são públicas e 13 são particulares.
A escola com pior desempenho das que tiveram mais de 75% de participação é a Escola Estadual Indígena Txeru Ba' e Kua, no município de Bertioga (SP), com média de 430 pontos. Em seguida estão a E.E.E.F.M. José Roberto Christo, localizada em Afonso Cláudio (ES), e a Escola Municipal Francisco José dos Santos, de Santa Rosa do Piauí (PI).
13 estados não aparecem entre as cem melhores
Dos 27 estados, 14 têm escolas representadas na lista das cem com melhor desempenho nas provas e que tiveram maior participação dos alunos no exame. Outros 13 estados ficaram de fora desta "elite". Os estados com maior número de escolas entre as cem primeiras são Rio de Janeiro (35 escolas), Minas Gerais (28) e São Paulo (15). Estes três estados concentram 78% das escolas do "top 100". Em seguida vem o Piauí (5). Também estão representados os estados de Mato Grosso do Sul (3), Pernambuco (3), Goiás (2), Maranhão (2),  Rio Grande do Sul (2) , Amazonas (1), Bahia (1), Ceará (1), Distrito Federal (1) e Paraná (1).
Alunas do Instituto Dom Barreto estudam na biblioteca (Foto: Divulgação)Alunas do Instituto Dom Barreto, Teresina (PI), que 
obteve a segunda melhor média (Foto: Divulgação)
Na lista das cem piores escolas deste grupo com mais de 75% de participação no Enem aparecem 31 colégios do Espírito Santo.
Em seguida estão as escolas do Ceará (16), Maranhão (11), Amazonas (9), Bahia (4), Minas Gerais (4), Piauí (4), Paraná (3), Rio Grande do Sul (3), Sergipe (3), Tocantins (3), São Paulo (2), Goiás (1), Mato Grosso (1), Pernambuco (1), Rio Grande do Norte (1), Roraima (1), Rondônia (1) e Santa Catarina (1).

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