30 de setembro de 2012


Rumo ao retrocesso - THOMAS FRIEDMAN

O que importa é o que eles
dizem a si mesmos, em sua
própria língua, sobre o que
defendem e que excessos
não vão tolerar


Uma das leis de ferro da política do Oriente Médio para o último meio século tem sido que os extremistas percorrem todo o caminho e os moderados tendem a desistir. Isso é o que fez das manifestações em Benghazi, na Líbia, tão incomuns na última sextafeira. Desta vez, os moderados não foram embora. Eles se reuniram e invadiram a sede da milícia islamista Ansar al-Sharia, cujos membros são suspeitos de realizar os ataques contra o consulado dos EUA em Benghazi que resultaram na morte de quatro americanos, incluindo o embaixador Christopher Stevens.

Não está claro se esta tendência pode se espalhar ou ser mantida. Mas, tendo condenado as vozes de intolerância que tantas vezes intimidam a todos na região, penso que é reconfortante ver os líbios carregando cartazes como “Queremos justiça para Chris“ e “Não mais al-Qaeda” — e exigindo a debandada das milícias armadas. Isso coincide com alguns artigos honestamente brutais na imprensa árabe/muçulmana — em resposta ao levante desencadeado pelo vídeo idiota no YouTube insultando o profeta Maomé — que não são os costumeiros “O que há de errado com os EUA?”, mas, sim, “O que há de errado conosco, e como podemos consertar?”

Na segunda, o Instituto de Pesquisa de Imprensa do Oriente Médio, ou Memri, que monitora a imprensa árabe/ muçulmana, traduziu uma crítica abrasadora/lancinante de Imad al- Din Hussein, colunista do “al-Shorouk“, o melhor jornal do Cairo: “Nós amaldiçoamos o Ocidente dia e noite, e criticamos sua desintegração (moral) e desfaçatez, enquanto contamos com ele para tudo... Nós importamos, a maioria do Ocidente, carros, trens, aeronaves... geladeiras, e máquinas de lavar... Nós somos a nação que não contribui com nada para a civilização na época atual... Nós nos tornamos um fardo para (outras) nações... Se tivéssemos realmente implementado a essência das diretivas do Islã e todas as (outras) religiões, estaríamos na vanguarda das nações. O mundo nos respeitará quando voltarmos a ser pessoas que fazem parte da civilização, no lugar de parasitas que estão espalhados pelo mapa do mundo desenvolvido, se alimentando de sua produção e depois atacando-o de manhã até a noite... O Ocidente não é um oásis de idealismo. Ele também contém exploração em muitas áreas. Mas ao menos não está afundado em desilusões, trivialidades e aparências externas, como nós... Portanto, apoiar o Islã e o profeta dos muçulmanos deveria ser feito pelo trabalho, produção, valores e cultura, não pela invasão de embaixadas e assassinato de diplomatas.”

Mohammad Taqi, um colunista paquistanês liberal, escrevendo no jornal “Daily Times”, baseado em Lahore, no dia 20 de setembro, argumentou que “não há qualquer desculpa para a violência e o assassinato mais sujo, cometido em Benghazi. Combater o ódio com o ódio é certeza de gerar mais ódio. O caminho para sair é afogar as vozes odiosas com vozes de sanidade, não cortar a liberdade de expressão e solicitar assassinatos”.

Khaled al-Hroub, professor da Universidade de Cambridge, escrevendo no “al-Dustour” da Jordânia, no dia 17 de setembro, traduzido pelo Memri, argumentou que o “aspecto mais assustador do que vemos hoje nas ruas de cidades árabes e islâmicas é o desastre do extremismo que está inundando nossas sociedades e culturas, assim como nosso comportamento... Isso (representa) uma total atrofia de pensamento entre amplos setores (da sociedade), como resultado da cultura de fanatismo religioso que foi imposta sobre as pessoas nos últimos 50 anos, e que deu à luz o que testemunhamos” hoje.

O comediante egípcio Bassem Youssef escreveu no “al-Shorouk”, traduzido pelo Memri, no dia 23 de setembro: “Nós exigimos que o mundo respeite nossos sentimentos, ainda que nós não respeitemos os sentimentos dos outros. Nós gritamos com clamor apaixonado quando proíbem o niqab em alguns países europeus ou proíbem (muçulmanos) de construir minaretes em outros países (europeus) — mesmo que estes países continuem a permitir a liberdade religiosa, como expresso na construção de mesquitas e nas (atividades) de pregação que ocorrem nos pátios. Ainda assim, em nossos países, nós não permitimos que outros preguem publicamente suas crenças. Talvez devamos examinar a nós mesmos antes (de criticar) os outros.”

Todas as vezes em que fui questionado durante a guerra do Iraque (“Como você vai saber quando ganhamos?”) dei a mesma resposta: Quando Salman Rushdie puder dar uma palestra em Bagdá; quando houver liberdade de expressão real no coração do mundo árabe muçulmano. Não há dúvida de que precisamos respeitar o diálogo entre o Islã e o Ocidente, mas, ainda mais, precisamos respeitar o diálogo entre muçulmanos e muçulmanos.

O que importa não é o que os partidos políticos muçulmanos árabes e grupos nos dizem que defendem. O que importa é o que eles dizem a si mesmos, em sua própria língua, sobre o que defendem e que excessos não vão tolerar.

Este debate interno tem sido sufocado por autocratas árabes cujos regimes tradicionalmente suprimiram os partidos extremistas islamistas, mas nunca permitiram realmente que suas ideias fossem combatidas com liberdade de expressão — com interpretações independentes, modernistas e progressistas do Islã ou por partidos políticos seculares e instituições verdadeiramente legítimas. Estamos vendo o começo disso agora com a emergência de espaços livres e partidos legítimos no mundo árabe? De novo, muito cedo para dizer, mas esta reação moderada à reação extremista vale ser saudada — e observada.

Thomas Friedman é colunista do “The New York Times”

O GLOBO
29/09/2012

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