Por que a violência do Rio de Janeiro e de São Paulo migrou para cidades menores. E como aplicar as práticas que deram certo nessas metrópoles
Hudson Corrêa e Marina Navarro Lins, Revista Ëpoca, 30/09/2012
O primeiro shopping center de Porto Velho, aberto há quatro anos, virou a principal opção de compras e lazer na capital de Rondônia. O movimento de carros é tamanho que, além de lotar o estacionamento, os motoristas também disputam vagas nas ruas próximas. Recentemente, os moradores levaram um susto quando a polícia prendeu um flanelinha, que cuidava dos carros do lado de fora. Ele era acusado de cometer estupros. Entre as vítimas está uma jovem atacada ao sair do shopping. Em Belém, o empresário Rodrigo Silva Bastos, de 35 anos, dirigia por uma avenida depois de sacar no banco R$ 5.600 para pagar seus funcionários. Seu Citroën C4 Picasso foi interceptado por dois homens numa moto. Rodrigo levou três tiros. Virou mais uma vítima de latrocínio, roubo seguido de morte, o to na capital do Pará. Em Maceió, capital de Alagoas, os moradores passaram a conviver com helicópteros da Força Nacional de Segurança. A cidade lidera o ranking de capitais em homicídios por habitante.
Não são casos isolados. A geografia da violência mudou no Brasil, como mostra um levantamento feito por ÉPOCA (leia a íntegra em época.com.br). Rio de Janeiro e São Paulo, historicamente as capitais nacionais da insegurança, não lideram mais os rankings de homicídios ou de delitos como estupro, latrocínio a assalto à mão armada. A taxa de assassinatos caiu pela metade no Sudeste, entre 2000 e 2010. Em contrapartida, a incidência desse tipo de crime cresceu 70% no Nordeste e dobrou no Norte. A piora no Norte e Nordeste ofuscou a melhora do Sudeste. Com isso, o país manteve sua média de homicídios no mesmo nível de 2000. São 26 mortes por 100 mil habitantes, índice típico de países em guerra. Segundo o Mapa da Violência, 192.500 brasileiros foram assassinados entre 2004 e 2007. No mesmo período, 169.500 civis e soldados foram mortos, em combate, nos 12 conflitos mais sangrentos do mundo.
A epidemia de violência está migrando no Brasil. Isso ocorre de duas formas. Primeiro, das capitais para o interior dos Estados. A Secretaria de Defesa Social de Minas Gerais diz que a taxa de homicídios em Belo Horizonte caiu 33% nos últimos oito anos. No mesmo período, em Uberlândia, 550 quilômetros distante, ela cresceu 75%. No Estado de São Paulo, Taubaté registra 22 homicídios por 100 mil habitantes - o dobro da capital, afastada 130 quilômetros.
A segunda migração da violência no Brasil é das grandes megalópoles (Rio e São Paulo) para capitais tradicionalmente mais pacatas. São Luís, no Maranhão, era a 24» capital em incidência de assassinatos em 2000. Subiu para a quinta colocação em 2010. No mesmo período, Salvador, na Bahia, passou da 25M posição para a sétima no ranking de violência.
A violência acompanha o deslocamento dos postos de trabalho. Para o pesquisador Julio Jacobo Waiselfisz, do Instituto Sangari,(Hoje em FLACSO/CEBELA) a desconcentração industrial provocou a desconcentração da violência."O movimento migratório rumo ao Sudeste se inverteu, e a bandidagem acompanhou", diz ele. No Norte, o registro de crimes acompanhou as frentes de trabalho do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). Segundo o Fórum
Brasileiro de Segurança Pública, os casos de estupro em Porto Velho, Rondônia, quintuplicaram entre 2005 e 2010. Será até possível atribuir o salto a uma subnotificação de ocorrências em anos anteriores. Mas o governo federal descarta essa hipótese. Ana Teresa Iamarino, coordenadora da Secretaria de Políticas para as Mulheres da Presidência da República, atribui o aumento de registros de estupro à migração de mão de obra masculina para a construção da usina hidrelétrica de Jirau, no Rio Madeira. "A população passou de 4 mil para 17 mil naquela região", diz. "É comprovado que esse processo migratório para locais de grandes obras ou eventos contribui para o aumento da violência.
Além da migração populacional, a migração da riqueza guarda relação com a migração da criminalidade."O Nordeste cresceu num ritmo chinês, e a violência foi junto", diz Pedro Abramovay, professor da Fundação Getulio Vargas (FGV) e ex-secretário nacional de Justiça."Com mais dinheiro circulando, o mercado consumidor fica mais aquecido. Inclusive o de drogas."Dário Cesar Cavalcante, secretário de Defesa Social de Alagoas, atribui o recrudescimento da violência em Maceió ao avanço do consumo de crack, droga derivada da cocaína que se espalhou pelos centros urbanos do país. Com o número de usuários de crack, aumentaram os casos de assassinatos por dívidas pequenas, de até R$ 100, geralmente cobradas por traficantes. "A droga era a fagulha que faltava", afirma Cavalcante.
Se Rio de Janeiro e São Paulo conseguiram reduzir os índices historicamente altos de violência, agora podem inspirar soluções para o problema em outras cidades. As duas capitais aumentaram o investimento em segurança pública e implantaram três políticas: combate às drogas, desarmamento da população e ocupação territorial de áreas antes dominadas por quadrilhas.
Em 2000, São Paulo era a quarta capital com a maior taxa de homicídios. Com mais investimentos em efetivo policial e na investigação de crimes, a cidade passou a figurar em último lugar no ranking dos assassinatos registrados no país, com 9,4 mortes por 100 mil. O governo afirma que gastará R$ 13,7 bilhões com segurança neste ano, 15% mais que em 2011. Sexto colocado no ranking de homicídios em 2000, o Rio agora está na 233 posição.
As estratégias para reduzir o crime em São Paulo e no Rio começaram com o combate às drogas. Neste ano, em São Paulo, além da prisão de 556 acusados de tráfico, o governo internou 1.075 viciados. "O maior controle de uso de substâncias ilícitas tem sido uma característica das capitais que reduziram a incidência de assassinatos", diz Daniel Cerqueira, economista do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) especializado em estudos sobre violência.
Em seguida, veio a retomada de áreas dominadas pelo crime organizado. Em 2008, o governo do Estado do Rio mudou sua forma de combater traficantes de drogas e milicianos em favelas. Trocou os ataques policiais surpresa, com troca de tiros, pela ocupação anunciada, pacífica e permanente. É o modelo de Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs). Segundo o Laboratório de Análise da Violência da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), as UPPs reduziram em 78% as taxas de homicídios nas comunidades. A pesquisa estima que 250 assassinatos foram evitados desde 2008.
É verdade que a estratégia de ocupação territorial da polícia tem efeitos colaterais. A pacificação das favelas do Rio levou ao aumento da violência em cidades vizinhas, da Baixada Fluminense. A ocupação de um polo de venda e consumo de drogas no centro de São Paulo, conhecido como Cracolândia, fez o tráfico migrar para hotéis e prédios residenciais nos arredores. Mas, apesar de péssima para os moradores, a migração do tráfico para dentro de apartamentos é considerada uma das causas da redução na violência em Nova York, nos Estados Unidos."Os mercados ao ar livre de entorpecentes são áreas de conflito, pontos quentes de violência" afirma Franklin Zimring, professor de criminologia na Universidade da Califórnia em Berkeley. "Tirar o comércio do tráfico das ruas fez o índice de assassinatos relacionados a drogas cair mais de 90%, entre 1990 e 2009.
O sucesso da campanha de desarmamento em São Paulo também tem relação direta com a queda na morte de menores de 19 anos. A taxa de homicídios de jovens no Estado caiu 76,1%, entre 2000 e 2010, ante um aumento de 15,8% na média nacional. "São Paulo teve sucesso na aplicação da Lei Seca e foi o Estado que mais reduziu o número de armas de fogo", afirma Cerqueira. "Em Alagoas, o Estado com a maior taxa de homicídios, a prevalência de armas aumentou." O secretário de Segurança do Rio de Janeiro, José Mariano Beltrame, afirma que o principal problema de segurança no Estado é a grande quantidade de fuzis nas mãos de bandidos.
Seguindo fórmulas de combate à criminalidade adotadas por Rio e São Paulo, o governo federal lançou em junho o programa Brasil Mais Seguro. As ações começam por Alagoas. Há muito trabalho a fazer por lá. Constatou-se que 97% dos laudos de perícia, indispensáveis à investigação de assassinatos, estavam pendentes. Havia ainda 3 mil mandados de prisão a cumprir.
A migração da criminalidade para o interior do país não significa que a guerra esteja ganha nas metrópoles. Na semana passada, a Secretaria de Segurança Pública de São Paulo divulgou um balanço que mostra que o número de pessoas assassinadas aumentou 17% de janeiro a agosto de 2012, em relação ao mesmo período do ano passado. O número de mortos pela Rota, tropa de elite da polícia paulista, cresceu 20%. O comandante da Rota, tenente-coronel Nivaldo César Restivo, perdeu o cargo. O crescimento nos indicadores, por ora, não significa que a capital viverá uma nova epidemia de violência. Mas serve para alertar que essa doença não tem cura. A qualquer vacilo, ela recrudesce.
Com Maurício Meireles
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