O arquiteto carioca, que completaria 105 anos no dia 15, morreu ontem (5) à noite por complicações provocadas por uma infecção respiratória.
Oscar Niemeyer flertou com a imortalidade e às 21h55 de ontem (5) se tornou perpétuo de fato e de direito. O brasileiro que marcou a história do século 20 e revolucionou a arquitetura mundial morreu em decorrência de uma infecção respiratória. A lucidez mantida intacta até as derradeiras horas de vida fez com que a mente genial criasse sem cessar até os últimos batimentos de seu coração comunista. Ao longo de 104 anos, 11 meses e 20 dias, Niemeyer construiu sua trajetória de sucesso, cujo maior símbolo é Brasília. Seu corpo será velado hoje, entre as inconfundíveis e sinuosas curvas que ele projetou para o Palácio do Planalto. Mas em cada canto da cidade modernista que ele ajudou a erguer, seu nome será lembrado com deferência e devoção.
O vigor intelectual contrastava com a fragilidade do corpo de Niemeyer desde a sua internação. Mas o estado de saúde do arquiteto se agravou sobremaneira na manhã de ontem. Ele teve que ser entubado pela primeira vez desde 2 de novembro, quando chegou ao Hospital Samaritano, em Botafogo, na Zona Sul do Rio de Janeiro. Diante da gravidade do caso, os médicos decidiram também sedá-lo ainda durante a manhã. Ciente de que Niemeyer em breve partiria, a família manteve-se a seu lado. Ele morreu na companhia da mulher, Vera, e de 10 pessoas próximas, entre netos e parentes.
A causa oficial da morte do arquiteto é uma infecção respiratória. Desde de que foi internado, em 2 de novembro, Oscar recebeu apenas antibióticos. Para postergar a entubação e minimizar os riscos de infecção, os médicos faziam fisioterapia respiratória. O médico Fernando Gjorup explicou que o quadro imunológico de Niemeyer era delicado, por conta do extenso tempo de internação. "Ele passou por situações graves nos últimos anos", explicou.
A devoção pela arquitetura e o desejo de ver novos projetos saírem do papel foram os motores que motivaram Oscar a lutar pela vida. A idade avançada e a saúde debilitada não o afastaram do trabalho. No quarto da unidade intermediária do Hospital Samaritano, ele recebeu calculistas e colegas de trabalho durante a internação. Discutia também novas ideias com o neto Carlos Oscar, que administra o escritório. "Ele não parava de trabalhar nem no hospital, fazia reuniões, falava sobre projetos", conta o médico de Niemeyer. Os pacientes de Gjorup costumavam questioná-lo sobre o segredo da longevidade de Oscar. O médico tinha a resposta na ponta da língua: "Querer viver faz viver mais".
Retomar a rotina de trabalho em seu escritório com vista para a praia de Copacabana não era o único anseio de Niemeyer. Ele não escondia dos amigos que queria receber alta para poder bebericar em casa ou em seu restaurante preferido, em Ipanema. De preferência com uma taça de pinot noir. "O Oscar repetia sempre que queria sair logo para tomar um vinho e para cuidar dos projetos atrasados. Ele se manteve lúcido até o fim", disse o neurocirurgião Paulo Niemeyer.
Luto oficial - A presidente da República, Dilma Rousseff, ao lamentar a morte do arquiteto Oscar Niemeyer, diz, em nota, que "o Brasil perdeu hoje um dos seus gênios. É dia de chorar sua morte. É dia de saudar sua vida".
De acordo com a presidente, a história de Niemeyer "não cabe nas pranchetas". O arquiteto "foi um revolucionário, o mentor de uma nova arquitetura, bonita, lógica e, como ele mesmo definia, inventiva". Dilma destacou ainda que "poucos sonharam tão intensamente e fizeram tantas coisas acontecer como ele".
Ainda segundo a presidente, "da sinuosidade da curva, Niemeyer desenhou casas, palácios e cidades. Das injustiças do mundo, ele sonhou uma sociedade igualitária". "Carioca, Niemeyer foi, com Lúcio Costa, o autor intelectual de Brasília, a capital que mudou o eixo do Brasil para o interior. Nacionalista, tornou-se o mais cosmopolita dos brasileiros, com projetos presentes por todo o país, nos Estados Unidos, França, Alemanha, Argélia, Itália e Israel, entre outros países. Autodeclarado pessimista, era um símbolo da esperança", diz a nota assinada pela presidenta da República.
Invenção além dos mestres
Texto de Rodrigo Queiroz, arquiteto, professor da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP, com mestrado e doutorado sobre a obra de Niemeyer.
Em sua primeira viagem ao continente americano, Le Corbusier permanece na América do Sul de 3 de outubro a 10 de dezembro de 1929, realizando conferências e projetos nas cidades do Rio de Janeiro, São Paulo, Buenos Aires e Montevidéu. Passados três meses do retorno de Le Corbusier à Europa, Oscar Niemeyer ingressa como aluno da Escola Nacional de Belas Artes do Rio de Janeiro (ENBA) em março de 1930, aos 22 anos de idade, formando-se arquiteto em 1934, dois anos antes da segunda visita de Le Corbusier ao Rio. O arquiteto franco-suíço se estabelece na então Capital Federal de 13 de julho a 15 de agosto de 1936. Além de proferir seis conferências, desenvolve os projetos do edifício do Ministério da Educação e Saúde Pública (Mesp) e do câmpus da Universidade do Brasil, em parceria com uma equipe composta por jovens arquitetos modernos, entre eles Lucio Costa, Oscar Niemeyer e Affonso Eduardo Reidy.
Como arquiteto mais jovem da equipe, com menos de dois anos de formado, Niemeyer é designado para acompanhar o "mestre" Le Corbusier, na condição de assistente, durante sua passagem pelo Rio. Nessa ocasião, Niemeyer elabora as perspectivas de uma das propostas de Le Corbusier para o Mesp que, segundo o arquiteto, não deveria se situar em meio ao tecido urbano da cidade tradicional, mas defronte ao mar, no mesmo alinhamento da quilométrica e ondulante edificação proposta por ele mesmo em sua primeira visita ao Rio, sete anos antes, em 1929.
Em 1933, ainda como estudante do 4º ano, Niemeyer decide trabalhar no escritório de Lucio Costa, ex-diretor da ENBA. Foi nesse mesmo ano que Costa inicia a elaboração do texto Razões da Nova Arquitetura, de fundamental importância para a afirmação do "moderno" em território nacional, em um momento de embate entre acadêmicos e modernos dentro da própria ENBA. Lucio Costa não apenas sai em defesa da arquitetura moderna, como especula algumas relações possíveis entre a arquitetura moderna e a colonial a fim de promover nexos capazes de estabelecer certa identidade entre a linguagem moderna de vertente corbusiana e a colonial de matriz popular, reconhecida pela simplicidade e despojamento tanto da forma arquitetônica, como da construção, pela ausência de ornamentos e pela sua adaptação aos trópicos, diagnosticada pela utilização de elementos vazados e grandes beirais.
A formação de Niemeyer como arquiteto pode ser compreendida como a conjunção de dois referenciais bem definidos, cuja síntese resulta naquilo que ficou conhecido como "arquitetura moderna brasileira": o "moderno" postulado por Le Corbusier e o "brasileiro" definido por Lúcio Costa, a partir da aproximação proposta por ele entre a "nova arquitetura" e nossa tradição construtiva colonial.
Entretanto, é evidente que a obra de Niemeyer não pode ser reduzida a essa simples equação. Niemeyer não manipula essa dupla influência como objeto de mera interpretação, ao contrário, o arquiteto carioca emancipa-se com relação ao seu referencial justamente por transgredir o cerne que define a expressão arquitetônica e o raciocínio de ambos os "mestres".
Será essa "inversão", tanto dos estilemas puristas presentes nos projetos de Le Corbusier realizados na década de 1920, como do aspecto quase compositivo dado por Lucio Costa na utilização dos elementos coloniais no projeto moderno, que legitimará a obra de Niemeyer como uma operação que deflagra o raciocínio embrionário daquilo que o próprio arquiteto chama de "invenção".
Lucio Costa desenha a janela como a subtração de parte da superfície, enquanto Niemeyer expande a janela ao limite da dimensão da forma, transformando a abertura na própria superfície integral da arquitetura, restando como "matéria" apenas a espessura que define o contorno da forma, uma linha em movimento que aproxima a construção do próprio desenho do arquiteto. Eis um belíssimo esforço de transformar a construção, algo matérico e volumétrico, em um simples gesto que, ou pousa, ou desenha um movimento do próprio horizonte. Lembremos dos palácios de Brasília.
Os projetos que sucedem a experiência do Mesp, como no Pavilhão do Brasil na Feira Internacional de Nova York (1938/1939), realizado em parceria com o próprio Lucio Costa, e no Conjunto arquitetônico da Pampulha em Belo Horizonte (1940/1943), registram a paulatina emancipação de Niemeyer com relação a esse referencial.
Nesses projetos, Niemeyer exterioriza, isto é, promove à condição de edifício àquelas formas que Le Corbusier preserva como gesto recluso a um esquema compositivo purista, em que as formas encurvadas presentes em lavabos, escadas ou caixas d'água preservam-se interiores e alinhadas a um perímetro ortogonal. Vista em planta, essa organização gráfica dialoga com as pinturas de Le Corbusier, em que o contorno regular da forma - seja a moldura da pintura ou o limite exterior da arquitetura - retém a composição curvilínea.
Nesse período inicial, a arquitetura de Niemeyer caracteriza-se justamente pelo rompimento do limite purista imposto por Le Corbusier, além da consequente liberação e dilatação daquelas "formas livres" que o arquiteto preserva reclusas no interior da "forma pura".
Em uma breve análise dos edifícios que compõem o conjunto da Pampulha - talvez o projeto mais significativo de toda a obra de Niemeyer - é possível diagnosticar esse procedimento caracterizado pela crescente autonomia com relação à disciplina plástica de Le Corbusier, desde o Cassino (atual Museu de Arte da Pampulha), primeiro edifício projetado por Niemeyer para aquele conjunto, onde o momento de ruptura com a moldura purista de Le Corbusier é literal e flagrante, culminando em uma de suas obras primas, a Igreja de São Francisco de Assis. No projeto desse templo, os elementos tributários ao vocabulário corbusiano, como o piloti de seção circular, a laje plana e a janela horizontal, dão lugar a uma sequência de abóbadas, cuja leitura visual, com mirada em movimento horizontal, parece acompanhar o gesto que originou aquele perfil. Mais uma vez, percebemos em Niemeyer esse paradoxal desejo de transformar a realidade em desenho.
Vencedores do 'Nobel da arquitetura' comentam a influência de Niemeyer
Quatro dos maiores arquitetos do mundo, vencedores do Pritzker, o "Nobel da arquitetura", comentam a influência das ideias e da obra de Oscar Niemeyer.
Álvaro Siza - Nascido em 1933, é o mais conceituado arquiteto português. Ganhou projeção com a recuperação do bairro judeu de Veneza. Recebeu o Pritzker em 1992.
"Niemeyer é o introdutor da liberdade na construção. Seu trabalho foi uma lufada de ar fresco na arquitetura, pois ele inclui até mesmo a representação gráfica na forma de construir. O que me interessa na obra de Niemeyer é o seu conjunto. Sua obra é tão rica e variada que é difícil indicar um único edifício. Considero Brasília seu projeto mais importante, pelo fato de ser a construção de uma cidade inteira."
Zaha Hadid - Nasceu em Bagdá, em 1950, mas estudou e se radicou em Londres. Ligada ao modernismo, sua obra é marcada por formas ousadas. Ganhou o Pritzker em 2004.
"A forte influência no desenvolvimento de Le Corbusier implica algo escondido, com monumental influência na arquitetura do modernismo. A influência de Niemeyer em Corbusier é mais importante. Há muitos projetos de Niemeyer de tirar o fôlego em muitas cidades do Brasil, e eu não posso apontar apenas um deles. A virtuosidade espacial e a riqueza de seu conjunto são o que há de mais formidável quando se observa a totalidade de sua obra. Fui fortemente influenciada por ele. Também o visitei algumas vezes no Rio e fico satisfeita por ter participado do convite que fizemos a ele para projetar o pavilhão de verão da galeria Serpentine, no Hyde Park em Londres, em 2004."
Jean Nouvel - Nascido em 1945. Um de seus projetos mais famosos é o Instituto do Mundo Árabe (1989), em Paris. Recebeu o Pritzker em 2008.
"Oscar Niemeyer é um dos mais importantes arquitetos modernos. Dentro do movimento de Le Corbusier, ele desenvolveu um outro vocabulário baseado na simplicidade do gesto. Admiro Niemeyer pela sua relação com a sombra e a luz, de Brasília a Constantine. Sua relação com a abstração, a brancura, o céu, a paisagem e a cidade constituem a criação de uma mudança improvável. As impressões e as emoções são um substrato permanente. A atitude de Oscar Niemeyer é sempre uma referência, e sua modernidade vive sempre."
Christian de Portzamparc - Nascido em Casablanca, em 1944, Portzamparc projetou em 1984 na periferia de Paris a sua obra mais famosa, a Cidade da Música. Também construiu no Rio a Cidade das Artes. Ganhou o Pritzker em 1994.
"Ele fascinou o mundo com a naturalidade e a evidência construtiva com a qual introduziu a sensualidade e a pureza nas curvas em concreto. Algumas obras abriram nova página na história da arquitetura. O Congresso, com suas duas torres, em Brasília, representa a perfeição para uma construção institucional. Amo a construção horizontal, flutuando sobre o solo, cruzando as duas lâminas verticais e jogando com as duas cúpulas. Fui marcado aos 15 anos pelas fotos de Brasília. Eu queria me tornar um arquiteto brasileiro."
(Agências de Notícias)
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6 de dezembro de 2012
Adeus a Oscar Niemeyer
Postado por
jorge werthein
às
18:04
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