Posted: 20 Jun 2013 01:36 PM PDT
Pareceria que Maio de 68 nunca aconteceu. Menos ainda a Revolução Francesa. A razão é simples, na época ainda não existiam nem o telefone celular nem Internet. Esta parece ser a conclusão lógica de certas analises que explicam as mobilizações que o Brasil está vivendo pelo papel das redes virtuais. Certamente os novos sistemas de comunicação são mais rápidos e eficientes que o texto mimeografado utilizado pelos estudantes nos anos sessenta, o folheto tipografado pelos revolucionários dos séculos passados, ou a pichação de paredes ou textos manuscritos pregados em praças públicas antes da invenção da imprensa. Mas as razões pelas quais as pessoas decidem exprimir insatisfação e anseios de mudança devem ser procuradas em mentes e corações e não nas maquinas.
As tecnologias de comunicação influenciam os processos sociais, pois elas são uma expressão e extensão de nossos sentidos e habilidades, como lembra McLuhan. Os novos meios de comunicação disseminam a informação em tempo real e em forma viral, facilitando chamados de protesto e concentração de pessoas. Num contexto como o brasileiro, onde a apatia política tinha tomado conta da sociedade, as novas tecnologias passaram a ser particularmente relevantes por causa da incapacidade ou falta de vontade dos partidos políticos, sindicatos e grêmios estudantis de mobilizar a população no espaço publico. O que antes era possível e normal sem as redes virtuais hoje só parece viável graças às novas tecnologias. Mas o novo hoje no Brasil é o povo na rua e não o uso da Internet. Lembremos que ela foi utilizada recentemente no abaixo-assinado pedindo que Renan Calheiros não assuma a presidência do Senado, e mais de 1,5 milhões de assinaturas foram inoperantes.
O característico das manifestações que o Brasil está vivendo, assim como em outros lugares do planeta, é a confluência de novos meios de comunicação extremamente eficazes com instituições políticas incapazes de dar voz a diversos segmentos da população. Esta confluência possui uma afinidade eletiva: as mensagens curtas dos MSN e das redes sociais são as mais adequadas para criar sinergias entre indivíduos que não possuem nem estão à procura de discursos ideológicos, algo que os marqueteiros políticos já tinham entendido.
Aterrissando no que está acontecendo no Brasil, não se trata de argumentar que a explosão social era previsível. Explosões sociais não são previsíveis. Menos ainda no caso brasileiro, onde dez anos de governo do PT, que antes da chegada ao poder era o principal canal de mobilização de massas, neutralizou a disposição ao protesto de rua das organizações sindicais – em particular de funcionários públicos, historicamente os mais militantes-, da sociedade civil, dos movimentos sociais e grêmios estudantis. A capacidade de cooptação politica do PT foi extremamente eficiente, e os grupos que ela não atingia pareciam ter caído na apatia politica, em parte pela incapacidade das oposições de mobilizá-las.
No novo cenário social brasileiro surgiram camadas que não estão ligadas à malha institucional controlada pelo PT, as chamadas novas classes médias. Se trata de setores que passaram a integrar as expectativas da sociedade de consumo e de que seus filhos acedam à educação universitária, o que se traduziu num endividamento crescente facilitado pelos mais variados sistemas de crédito. Quando possível ela tenta fugir do sistema público de saúde e educação, considerados de baixa qualidade.
A nova classe media foi amplamente festejada por economistas oficiais que enfatizaram o incremento do ingresso monetário, esquecendo que uma parte da mesma mora em residências que não têm serviços de esgoto ou de recolhimento de lixo, que os custos mensais de manutenção de telefone celular, Internet, carro, e juros esvaziam o ingresso familiar no inicio de mês, mais ainda quando possuem filhos estudando no ensino privado ou pagam seguro saúde.
Ainda assim não era claro como este novo setor se expressaria politicamente, porque aparentemente se tratava de um grupo apático e descrente da política. O porquê desta atitude era explicado pelos analistas por uma variedade de razões. Para alguns se tratava de um grupo que ascendeu recentemente e portanto estava satisfeito com sua situação. Para outros, entre os quais me incluía, se tratava de um setor socialmente fragmentado e preocupado com estratégias individuais de sobrevivência.
O diagnostico possivelmente estava certo em relação aos pais, mas se mostrou errado em relação aos filhos. Tudo indica que o grosso dos manifestantes são estudantes universitários –mas não organizados pelo movimento estudantil – , sendo que, dado o crescimento da população estudantil nas ultimas décadas, boa parte certamente pertence a famílias de classe média que ascenderam recentemente. Com a disponibilidade e a força de corações e mentes, certamente ingênuas e ainda não domesticados por responsabilidades familiares e/ou laborais, os jovens saíram às ruas para expressar o sufoco em que vivem com suas famílias, aglutinados pelo problema que é comum a todos eles: a baixa qualidade dos serviços públicos. Baixa qualidade que eles, assim como grande parte e da cidadania, credita à corrupção e falcatruas dos políticos. O extraordinário do acontecido é que, apesar de atos de vandalismo, as manifestações não expressam uma minoria de ativistas radicais frente a uma maioria silenciosa conservadora e contrária a eles; pelo contrario, a maioria silenciosa se identificou com os manifestantes.
Assim, o que deveria ter sido um momento de ufanismo nacional, a Copa das Confederações, se transformou no seu reverso, num sinal para demostrar insatisfação com a realidade do país. Por quê? Porque a Copa aparece para os cidadãos não como sendo o rosto de um país que afirma uma imagem de sucesso nacional, mas como a face de obras públicas caras e superfaturadas. Como me disse um manifestante na minha precária pesquisa de campo, “se for para roubar, pelo menos que construam hospitais.”
As manifestações representam um momento de inflexão na história do Brasil contemporâneo. Depois de vinte anos de silêncio a juventude redescobre o happening político, o sentimento prazeroso, e no momento atual, sem deslizar em ideologias omnipotentes e totalitárias, de ser parte de uma ação coletiva na qual a participação gera o sentimento de empoderamento, que suspende por um momento as preocupações individuais. Certamente é diferente das de outros tempos onde as ideologias ocupavam um papel importante e os objetivos eram, ou nos pareciam, claros. Grande parte dos manifestantes não são nem pró-governo nem pró-oposição, ou melhor, são contra ambos. O que eles querem é um pais melhor e desconfiam do sistema politico e dos políticos que eles as associam à corrupção e à impunidade.
Para ganhar eleições será preciso que os partidos políticos decifrem e traduzam em propostas, ou pelo menos promessas, as demandas que apareceram nas ruas. Tanto o governo quanto a oposição foram tomados por surpresa. O primeiro procurará limitar os danos, mantendo sua base já consolidada de apoio eleitoral mas elaborando um discurso de “ouvimos o clamor das ruas” que incluirá na sua retórica a necessidade de mudanças no sistema político. Para a oposição o desafio é maior, o de traduzir o mal-estar social numa proposta política suficientemente convincente que, se certamente não eliminará a desconfiança da população, pelo menos gere a esperança de que políticos são capazes de traçar o caminho para um Brasil melhor.
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