30 de junho de 2013

'Há um desencontro entre os cidadãos e os seus governantes', Sergio Adorno

Para cientista social da USP, protestos revelam um país que deseja uma democracia mais participativa
O movimento atual, diz sociólogo, tem de aproveitar para recusar a violência e reinventar o modo de fazer política
SABINE RIGHETTIDE SÃO PAULO, Folha de S.Paulo, 30/6/2013
As manifestações recentes espalhadas pelo Brasil, de acordo com Sérgio Adorno, um dos principais sociólogos do país, mostram uma negação da sociedade ao modo atual de fazer política.
O problema é o surgimento da possível violência legitimada nos protestos e o risco de uma movimentação antidemocrática. Leia abaixo a entrevista exclusiva à Folha.
Folha - O que está acontecendo no Brasil?
Sérgio Adorno - Há um fenômeno historicamente conhecido, mas com suas singularidades. É um desencontro entre os cidadãos e as suas instituições. Não é algo novo, mas há especificidades na sua dinâmica e na sua organização --que muitas vezes parece desorganizada.
Quais são as causas disso?
Vejo uma forte negação do modo de fazer política no Brasil. As pessoas querem uma democracia que possa ouvir mais. Há muitas pessoas nas ruas com interesses diversos. Tem gente com ideais e tem gente que diz "vamos lá porque está acontecendo uma manifestação". Tudo é legítimo. Estamos acompanhando os desdobramentos, que podem ser bons para o fortalecimento da democracia. Mas se as manifestações derem força para quem quer a volta de um regime repressivo, o ambiente fica vulnerável.
O movimento antidemocracia pode ganhar força?
Por enquanto, não. A maioria das pessoas aposta na democracia. A democracia no Brasil veio para ficar. A pergunta é: qual democracia? Estamos caminhando para uma sociedade mais igualitária? Precisamos decifrar o fenômeno. Há fatos novos, como a recusa aos partidos.
O que quer dizer essa recusa?
É uma recusa ao modelo atual de se fazer política. A escola pública, a saúde pública e o acesso aos serviços de governo continuam produzindo desigualdades. E o transporte é muito sensível. O desgaste de uma pessoa que mora na periferia e que leva três horas para chegar ao trabalho é grande.
Existe um nível tolerável de vandalismo nos protestos?
Paralisações são parte da democracia. Estamos aprendendo a lidar com elas. Quanto ao vandalismo, ainda precisamos entender melhor. Temos atos de vandalismo em jogos de futebol. Mas o significado é o mesmo? O que me preocupa é que há uma linguagem de trazer de volta uma expectativa de que a violência seja legítima na política. O movimento tem de aproveitar a oportunidade para recusar a violência e reinventar a política.
E em relação à polícia? O que o senhor achou da ação da PM?
Quando a polícia reagiu às manifestações certamente prevaleceu uma linha mais dura da polícia que diz que "ordem é ordem". Mas não podemos imaginar que a polícia, ao ser provocada, aja como se estivesse se vingando. A polícia deve ser preparada para lidar com isso.
E a reação do governo? Haveria risco de golpe com uma Assembleia Constituinte?
Não acho que há possibilidade de golpe. Em 64, havia uma coalizão de setores da sociedade civil com a classe política. Havia conspiradores. Mas agora não há respaldo da sociedade. O tema tocou a todos. Há uma preocupação com o que vai acontecer.

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