25 de junho de 2013

JANIO DE FREITAS Vozes contra vozes

Folha de S.Paulo, 25/6/2013

As manifestações começam a criar o risco de reversão, facilitado pela impressão de que sempre geram saques
Se os bloqueios de estradas e, em cidades, as paralisações desordenadas mantiverem a intensidade ontem verificada em vários Estados, como prometido para toda a semana, pode-se esperar que logo uma parte da população esteja pedindo providências contra a outra. As próprias manifestações começam a criar o seu risco de reversão, facilitado pela crescente impressão de que, nas atuais circunstâncias, não é possível passeata que não degenere em saques e outras violências.
Os jovens que convocaram a manifestação contra as passagens de ônibus paulistanos estão, hoje, na situação do japonês que repetia atônito, depois da bomba atômica em Hiroshima: "Eu só puxei a descarga da privada". Buscaram um objetivo, estão em meio a um turbilhão, do qual não podem se desligar. E sobre o qual não têm controle algum, mas são chamados a representá-lo como se tivessem.
A balbúrdia das reivindicações seria de difícil controle mesmo que o movimento partisse de uma liderança definida e forte. Mas as dificuldades que acarretam vêm, sobretudo, de outra característica do momento: as reivindicações manifestadas referem-se na maioria a problemas de responsabilidade estadual e municipal. No entanto, os governadores e prefeitos fingem-se de mortos. Fugiram da cena desde o primeiro crescimento das manifestações. Com exceção só de Geraldo Alckmin e Fernando Haddad.
Preço e eficiência do transporte urbano (agora é bacaninha dizer mobilidade urbana, como se os transeuntes das cidades também precisassem de reforma), contenção da criminalidade, escolas, hospitais e saúde em geral --assim é o grosso das reivindicações levantadas nas ruas, assuntos, todos, de governadores e prefeitos.
Melhor para eles se Dilma Rousseff chamou a si, no que talvez seja um erro político, a responsabilidade por todos os problemas e soluções em questão. Mas não adianta pretender ações em grande escala, seja em número ou em dimensão, como seu discurso sugeriu. Daí só viria mais frustração, porque cada uma delas será, sempre, batalha política e outra batalha com forças econômicas. Tudo o que é reivindicado requer dinheiro, dinheiro em grande quantidade requer impostos a mais --e os economistas adotados pelos meios de comunicação dirão o restante.
O necessário e factível é selecionar prioridades, poucas e uníssonas, no rol dos defeitos nacionais. E atacá-las com todo o vigor, sem condicionamentos eleitorais ou partidários. Se é para mudar alguma coisa, em consonância com a voz das ruas, a falta de apoio na Câmara e no Senado não pode ser motivo de barganhas partidárias: deve ser denunciada ao país, para dele receber resposta. O barganhismo de apoios partidários, desde que Fernando Henrique o adotou para montar seu dispositivo eleitoral unindo PSDB a PFL e PMDB, e com a continuação que lhe deram Lula e Dilma, é um dos entraves mais funestos da política e da administração no Brasil.
Escrevo antes de conhecer o resultado da reunião de Dilma Rousseff com governadores e demais convocados. Dali só poderiam sair propostas e medidas administrativas. A necessidade decisiva do Brasil é, porém, a de mudanças institucionais --sistema partidário, sistema eleitoral, atividade da Câmara e do Senado, adoção do sistema federativo que está em seu nome e não na realidade. Mas isto é de outro capítulo. E o do momento é das vozes que se encontram e podem se desencontrar nas ruas.

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