Folha de S.Paulo, 25/6/2013
Há de se admirar a ironia. Passamos décadas esperando por uma grande mobilização popular e, quando ela ocorre, alguns querem desqualificá-la por ver risco de guinada conservadora ou profusão de pautas genéricas.
Em vez de explorar as potencialidades das manifestações, alguns parecem mais preocupados em construir, o mais rápido possível, uma explicação para o fracasso que pretensamente virá. Mas política popular sempre foi conflito e embate em torno de significantes que circulam em gritos e gestos de recusa.
Há um exemplo ilustrativo nesse sentido. Um dos tópicos mais presentes nas manifestações é a rejeição aos partidos. Já faz anos que ouvimos manifestantes, em todas as partes do mundo, recusarem as mediações dos partidos em prol da invenção de mecanismos de democracia direta. São pessoas que adquiriram a consciência de sua força política e que não veem razão para transferir tal força para partidos profundamente hierárquicos e guiados pelo raciocínio tático. Elas têm razão.
Vimos, no entanto, uma profusão de análises insistindo em não haver democracia sem partidos e instituições fortes, que a recusa a partidos é necessariamente conservadora. Tais análises são simplesmente equivocadas.
Quem acredita nelas deve estar acometido de um "fetichismo da representação" que nos fixa na ideia da necessidade insuperável da representação política, isso em uma época na qual a participação popular pode ser fei- ta, cada vez mais, por meio da pulverização de mecanismos de decisão.
De fato, democracia pede modelos de organização, mas nada exige que tais organizações políticas sejam necessariamente partidos.
Mesmo se aceitarmos a necessidade da estrutura parlamentar, por que, por exemplo, um eleitor não poderia votar em um candidato independente ou em candidatos de movimentos sociais? De onde saiu a ideia de que partidos de- vem ter o monopólio da representação política? Nesse sentido, a rejeição aos partidos pode ser a base da reinven- ção de uma política muito mais democrática.
Partidos tiveram sua importância em vários momentos da história brasileira e mundial. Por meio deles, demandas sociais ganharam força e pressão junto ao Estado. Esse tempo, porém, passou e não voltará mais.
O problema não é com a decadência dos principais par- tidos brasileiros e mundiais, mas com a forma-partido enquanto tal, que perde muito facilmente sua função de caixa de ressonância das in-satisfações populares e de espaço de criatividade política. Se abandonarmos nossos medos, outras formas de organização virão.
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