22 de janeiro de 2014

ELIO GASPARI, O rolezinho pode acabar em rolão


Era diversão, virou protesto e acabou em palhaçadas, estimuladas por uma visão policial da ordem pública

O neto saiu para um rolezinho. O pai lembrou-se: "Eu fui ao comício das Diretas". O avô acrescentou: "E eu, à Passeata dos Cem Mil". Se há algo de novo na praça é a degradação do que se considera como manifestação. O rolezinho é a manifestação em torno do nada. Contrapôs-se a ela uma visão policial da ordem pública.
Na sua origem, os rolês podiam ser chamados de divertimento. No século passado os Mamonas Assassinas já cantavam:
"Esse tal Chópis Cêntis
É muicho legalzinho
Pra levar as namoradas
E dar uns rolezinhos"
No último fim de semana dois deles foram claramente instrumentalizados. Em São Paulo, 150 pessoas mobilizadas pelo Uneafro levaram o shopping JK Iguatemi a fechar suas portas. Uneafro é o nome da "União de Núcleos de Educação Popular para Negros". Em Niterói, um rolê de 50 pessoas, liderado por um ex-candidato a vereador do PSOL, zoou o Plaza Shopping. No Leblon, um evento foi enfeitado por dois cidadãos que se vestiram de Batman e Coringa.
Quem vai aos shoppings é o povo e quem atende nas lojas são trabalhadores, quase sempre remunerados por comissões sobre suas vendas. Um domingo de shopping fechado custa milhões de reais aos comerciantes e aos seus vendedores.
Se de um lado há manifestações em torno do nada, do outro, o da liderança da guilda dos shoppings, há uma postura tonitruante, inútil. Primeiro chamaram a polícia. Deu em pancadaria. Depois foram à Justiça buscar liminares e ameaças de multa. Deu em nada. O doutor Nabil Sahyoun, presidente da Alshop, pediu uma reunião com a doutora Dilma para "proibir que façam esse tipo de convocação, caso sejam menores, responsabilizar os pais". Faltou explicar como. Talvez, chamando o companheiro Xi Jinping, que tem brigadas de chineses vigiando a internet, prende quem quer e solta quando quer.
Nesse diálogo de canibais com antropófagos, veio de Gilberto Carvalho, secretário-geral da Presidência, uma palavra de sensatez, numa entrevista ao repórter Marcelo de Moraes. Ele diz que é preciso conversar, procurar entender: "Se eu falar que tem uma resposta é bobagem".
Enquanto rolavam rolês, um grupo de trabalhadores foi barrado num centro comercial da Barra da Tijuca porque traziam "poluição visual e mau cheiro". Isso na cidade onde o Réveillon da praia teve tenda VIP para convidados e, uma passeata, cercadinho para celebridades. Nos últimos anos pelo menos três correntistas de banco foram assassinados por seguranças. A maior rede de lojas de varejo do país classificou de "incidente" o assassinato de um freguês. No Rio, uma rede de supermercados tinha convênio com a quadrilha do tráfico da Cidade de Deus. Em Campinas e Salvador, cidadãos foram mortos por seguranças de shoppings depois de atritos banais. Nenhuma guilda empresarial pronunciou-se.

O melhor ponto de partida para lidar com os rolês é o descarte das soluções que agravam o problema. Em junho passado a polícia de São Paulo jogou gasolina no fogo durante uma passeata e incendiou o país. Pode-se pensar numa solução policial, afinal, a ordem precisa ser mantida. Tudo bem, troca-se o rolezinho pelo rolão.
Folha de S.Paulo, 22/1/2014

'Rolezinhos' de protesto reúnem de sem-teto a partidos políticos
Ao menos 4 capitais tiveram atos em apoio aos encontros de jovens
DE SÃO PAULO, Folha
A trilha sonora não é o funk ostentação, nem o figurino, roupas de marca. Mesmo assim, vários protestos têm ocorrido pelo país para defender o direito dos jovens da periferia de "fazer um lazer" nos shoppings da cidade.
Os atos em defesa dos "rolezinhos" já ocorreram em pelo menos quatro capitais do país, promovidos por movimentos de sem-teto, partidos políticos e entidades estudantis na última semana.
"Nossa luta não é apenas por moradia. É também por toda desigualdade que atinge a periferia. Por isso, fomos para a rua com o nosso rolezão'", diz Guilherme Boulos, do Movimento dos Trabalhadores Sem-Teto (MTST), que na semana passada tentou fazer dois protestos em shoppings da zona Sul da capital.
Segundo Luiz Felipe Bueno, coordenador de um cursinho da rede Uneafro, a entidade teve de se manifestar após a repressão policial e judicial aos "rolezinhos".
"O protesto é para evidenciar o caráter racista da postura dos shoppings que quiseram barrar os jovens. E, pelas imagens, percebe-se que a maioria são negros", disse. A Uneafro organizou um ato no shopping JK, na quinta.
No Rio, diante do shopping Leblon, os manifestantes levavam máscaras e cartazes onde se lia inscrições como "Rolé ativista. Boicote [à] Copa"
Outro grupo que aderiu aos novos protestos foi a União da Juventude Socialista (UJS), a juventude do PCdoB. No fim de semana, a entidade promoveu protestos em Porto Alegre e Salvador.
O secretário nacional da UJS, Renan Alencar, compara os protestos pró-rolezinho às manifestações de junho do ano passado.
"Naquele contexto, a manifestação de uma cidade apoiava o que havia acontecido em outra. E os protestos em Porto Alegre e Salvador são em solidariedade à repressão em São Paulo."

Jovens têm direito a 'rolezinhos', desde que não haja violência, diz arcebispo

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O arcebispo do Rio de Janeiro, dom Orani João Tempesta, afirmou nesta quarta-feira (22) que os jovens da periferia que promovem "rolezinhos" nos shoppings pelo país têm direito de frequentar esses locais, desde que esses atos não descambem para a violência.
Ele esteve reunido na manhã desta quarta com a presidente Dilma Rousseff no Palácio do Planalto, em audiência de cerca de uma hora. Ele agradeceu as homenagens da presidente pela sua nomeação como cardeal.
Segundo ele, existem duas questões que devem ser colocadas quando o assunto é "rolezinho": "De um lado, aparecem as pessoas que querem também ter os mesmos bens, mesmos direitos de frequentar alguns locais. Existem, de outro lado, algumas manipulações que podem ter uma certa violência. São dois lados da questão", disse.
"Acho que devemos promover as pessoas para que todos possam ter aquilo que é a dignidade humana e também ter uma qualidade de vida melhor. Isso reflete um pouco essa necessidade desse jovens, de 'Nós também queremos fazer parte do shopping', 'Queremos também ter dinheiro pra comprar', e chamar atenção da população para essa dignidade", continuou.
Para Tempesta, "o que não podemos aprovar é quando se descamba numa violência, em depredação, tudo mais. São dois lados da questão, mas essa preocupação de promover a pessoa, de ajudá-la a viver melhor, com dignidade, deve ser constante".
O recém-nomeado cardeal também demonstrou preocupação com a situação dos presídios brasileiros e, em especial, com os recentes atos de violência no Maranhão.
"Acho que essa é uma questão mal resolvida em nosso país, por mais que tenha novos presídios, novas tentativas, etc, ainda não conseguimos fazer com que as pessoas sejam reeducadas, tenham uma maneira de convivência e possam voltar a sociedade. Infelizmente é algo ainda a ser feito. É claro que os bispos do Maranhão tem toda a necessidade de chamar a atenção para resolver ou encaminhar alguma solução." 

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