20 de janeiro de 2014

RICARDO MELO Shopping de ilusões (rolezinho)


Absurdo dos absurdos: até o governo federal resolveu acionar ministros para decifrar rolezinhos

Nas últimas semanas, assistimos a fatos como uma cidade inteira arrasada por um temporal. Itaoca, no interior de São Paulo, já contabiliza pelo menos 20 mortes resultantes de um pouco de fatalidade e de muito de imprudência governamental. Fomos informados ainda que doze pessoas foram assassinadas em Campinas (SP) após a morte de um policial num posto de gasolina. A suspeita recai sobre PMs.
No mesmo período, tivemos a coreografia habitual diante de catástrofes humanitárias como a dos presídios do Maranhão. Governadora, ministros e autoridades exibiram semblantes horrorizados em face de uma tragédia que de nova não tem nada, assim como não será novidade quando o assunto cair no esquecimento tão logo a poeira baixar. Soubemos ainda que uma testemunha "secreta", mas fácil de identificar por quem acompanha o caso, acusou o ex-prefeito Kassab de ganhar uma bolada para resolver a vida de uma empresa de inspeção veicular. Dinheiro tão pesado que seria capaz de derrubar um avião, segundo o depoimento. O caso está sob investigação.
Nada disso parece importar. O que domina a cena são os rolezinhos, seja qual for a mídia disponível para acesso. Das televisões aos jornais, passando pelas chamadas redes sociais, o encontro de adolescentes em shoppings centers virou assunto para governos, comerciantes, sociólogos e os eternos especialistas em tudo, especialmente em aparecer. O absurdo dos absurdos: até o governo federal resolveu acionar ministros para decifrar o "fenômeno", como se a nação estivesse diante de uma grave ameaça institucional. Azar de Itaoca que lá não houvesse um shopping. Quem sabe assim teria merecido atenção tão grande do Planalto.
Mas como até dos absurdos sempre é possível tirar alguma lição, o fuzuê criado em torno dos rolezinhos também iluminou algumas verdades. Uma delas diz respeito à falácia do território dos shoppings centers. Por conveniência do capital, criou-se o mito de que tais espaços seriam a praia de quem não tem onde se divertir. Como bônus, já que o pessoal está ali, por que não entrar numa loja e comprar? Diversão e consumo juntos, ainda mais com segurança, eis a fórmula considerada infalível.
Não é bem assim. Assim como lojas dos antigos magazines, um shopping center não tem nada a ver com espaço público. Trata-se de propriedade privada, vendida como "pública" com o único objetivo de atrair consumidores. Está errado? A respeitar a regra do jogo vigente no país, nem um pouco. Esperar de lojistas aplausos para manifestantes que podem atrapalhar o seu negócio equivale a pedir que o capitalismo só funcione durante a semana e entre em recesso aos sábados e domingos. Aviso ao pessoal: o buraco é bem mais em cima, e dura 365 dias.


O saldo mais curioso, e ao mesmo tempo bastante revelador, é a reação que o assunto suscitou. Apavorados, os donos de shoppings não tiveram nenhuma cerimônia em bloquear páginas em redes sociais, tidas como o paraíso da liberdade de manifestação. Como, ninguém sabe ""até agora não houve esclarecimento convincente de como a censura aconteceu. Um representante dos lojistas foi ainda mais longe no ridículo: sugeriu liberar o Sambódromo para eventos como esses. Tudo para mostrar tanto a desorientação de nossos governos como o medo pânico em que vivem as elites deste Brasil.
Folha de S.Paulo, 20/1/2013

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