Os EUA se veem em uma estranha encruzilhada. Por um lado, o novo clima isolacionista do país foi confirmado na semana passada por uma pesquisa do Pew Research Center. Cerca de 52% da população concorda com a afirmação de que "os EUA deveriam cuidar de seus assuntos e permitir que os outros países se ajeitem da melhor maneira que puderem, por conta própria". Apenas 38% discordam.
Além disso, o ceticismo quanto a envolvimentos estrangeiros agora se estende também à elite política. O Pew entrevistou integrantes do Council on Foreign Relations e constatou que as opiniões deles se alinham às do público geral. Bruce Stokes, do Pew, disse que "temos agora o balanço mais pesado em favor de os EUA cuidarem de seus próprios assuntos", nos quase 50 anos em que pesquisas de opinião fazem essa pergunta.
Por outro lado, o país está encarando as consequências das revelações de Edward Snowden, ex-prestador de serviço da NSA (Agência de Segurança Nacional), que têm o efeito oposto. O presidente Obama falou de algumas dessas preocupações na sexta-feira, mas a resposta dele pouco acalmou a inquietação pública sobre a vasta dimensão das operações americanas de vigilância. Tampouco sanou os desentendimentos entre o aparato de segurança nacional americano e as companhias de tecnologia do Vale do Silício.
Proeminentes empresas americanas de hardware, software e internet serviram de canais de ação aos espiões, ainda que não tenham sido cúmplices deliberadas deles. Embora tentasse reassegurar aos americanos que a privacidade deles não estava em risco, Obama deixou claro que o mesmo não se aplicava aos outros países, o que não é boa notícia para as empresas americanas de tecnologia que armazenam dados de estrangeiros ou cujos equipamentos são o cerne de redes mundo afora.
Obama prometeu que suspenderia a escuta de comunicações de aliados importantes, como a chanceler alemã, Angela Merkel, e, presume-se, a presidente Dilma Rousseff. Também solicitou ao Congresso que apontasse uma comissão de especialistas independentes que assessorariam os tribunais secretos que fiscalizam as decisões da NSA.
Obama, porém, não propôs limites à invasão das redes internas do Google e do Yahoo! pelos serviços de segurança ou para a criação de "portas dos fundos" em equipamentos produzidos por empresas como a Cisco. Estima-se que, caso os estrangeiros nacionalizem a armazenagem de dados, como propôs Dilma, isso custaria US$ 180 bilhões em negócios perdidos a essas companhias de tecnologia.
Cortar demais os elos com o mundo e vigiar excessivamente amigos e inimigos não é uma combinação feliz.
Folha de S.Paulo, 23/1/2014
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