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editoriais@uol.com.br, 17/1/2014, Folha de S.Paulo
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Reação destemperada da polícia e liminares judiciais podem alterar o caráter despretensioso de encontros de jovens em shoppings
"Não perco meu tempo em manifestações, os políticos vão continuar roubando", afirma Lucas Lima, 17, frequentador dos chamados "rolezinhos". Ele garante que, em dois desses eventos recentes, beijou "16 ou 17 meninas".
Os encontros servem, segundo as convocações nas redes sociais, para "zoar, rolar umas paqueras, pegar geral e se divertir". Realizados em shoppings centers paulistanos, atraem centenas de adolescentes, em geral da periferia.
A despeito de seu caráter festivo e despretensioso, a novidade logo incomodou lojistas, consumidores e políticos. Durante os "rolezinhos", os adolescentes, divididos em vários grupos, caminham ou correm pelos corredores do centro de compras, cantando funk.
Não é só o corre-corre que assusta. Houve casos isolados de furto e depredação, que obviamente devem ser punidos. Além disso, diante de qualquer multidão, e de um fenômeno que só agora começa a se compreender, chega a ser automática a reação defensiva que, a princípio, muitos tiveram.
Passado o susto inicial, no entanto, essas reuniões poderiam, sem nenhum prejuízo, ser incorporadas à rotina da cidade.
Alguns proprietários de shoppings não pensaram dessa maneira. Imaginando que os "rolezinhos" ameaçavam a segurança de clientes e lojas, recorreram à Justiça para impedir sua realização.
Pior, alguns juízes consideraram bem fundamentada a preocupação e fixaram multa de até R$ 10 mil a quem participasse de determinados encontros. Em certos casos, jovens foram proibidos de entrar nos estabelecimentos.
Decisões desse tipo são indefensáveis. Baseiam-se na maldisfarçada e injusta noção de que moradores da periferia, reunidos em grupos, pretendem furtar ou roubar.
Embora privados, os shoppings são locais de acesso público. Funcionam menos como a casa de um particular e mais como hotéis ou restaurantes. Podem, se quiserem, criar regras para os clientes --por exemplo, dizendo que não aceitarão pessoas em trajes de banho.
Tais normas, porém, precisam valer para todos, e sua aplicação prática pode facilmente se confundir com crimes de preconceito.
De resto, como defender a priori que jovens, por serem da periferia, perturbarão a paz pública? Se incorrerem nessa contravenção, devem ser punidos, assim como se cometerem um crime mais grave. O veto prévio, todavia, tem natureza claramente discriminatória.
Dadas as intenções originais, esses eventos, como testemunho das transformações por que passa o Brasil, dificilmente fariam mais que evidenciar a carência de espaços públicos de convívio social.
A exemplo do que se deu com as manifestações de junho de 2013, no entanto, a reação destemperada da polícia, desta vez auxiliada pelo Judiciário e apoiada por proprietários de shoppings, pode dar aos "rolezinhos" uma dimensão que eles não têm --ou não tinham.
Para evitar 'rolezões', dois shoppings fecham as portas
Encontros foram marcados por grupo de sem-teto e coletivos da periferia
Shoppings Jardim Sul e Campo Limpo foram esvaziados antes da chegada dos manifestantes
A ideia era prestar solidariedade aos "rolezinhos", os encontros de adolescentes da periferia nos shopping da cidade que têm assustado lojistas e donos de estabelecimentos. Porém, os dois "rolezões" marcados para ontem em dois shoppings, o Jardim Sul e o Campo Limpo, deram com a cara na porta.
Com medo de confusão, ambos estabelecimentos foram esvaziados e fecharam suas portas, antes de os manifestantes se aproximarem.
Os atos foram convocados pelo MTST (Movimento dos Trabalhadores Sem Teto) e coletivos da periferia.
No Campo Limpo, funcionários colaram nas portas de vidro a liminar obtida na Justiça apenas uma hora antes, proibindo o evento e acionando a Polícia Militar.
De acordo com a decisão do juiz Alexandre David Malfatti, "embora sejam locais abertos ao público, [os shoppings] são empreendimentos privados, com destinação específica e voltados à atividade empresarial."
"Não se trata de via pública', não se constituindo em local próprio e apropriado ao exercício do direito de liberdade de reunião e manifestação", escreveu ele na decisão.
A sentença previa multa de R$ 5.000 a quem fosse pego participando do ato.
Por volta das 16h, de quatro a seis seguranças se posicionaram em cada uma das três entradas do shopping, e outros cercaram o edifício.
Enquanto isso, na estação de metrô ao lado, cerca de 500 pessoas se reuniam com instrumentos de percussão, bandeiras vermelhas e soltavam gritos de guerra.
A maioria era da ocupação Nova Palestina --a maior de São Paulo, com 8.000 famílias, no Jardim Ângela.
Ao mesmo tempo, no Jardim Sul, onde cerca de 500 pessoas se aglomeraram nas entradas do edifício, houve tumulto entre manifestantes e seguranças. A confusão acabou sendo contida pelos próprios sem-teto.
"Os jovens pobres e negros têm o direito de ir aonde quiserem. A polícia, os ricos dessa cidade foram brutos, e a periferia veio até aqui em solidariedade a eles." Com três amigas, todas da Nova Palestina, Simone Borges, 36, comandava os gritos de guerra na estação Campo Limpo.
O metrô parou por meia hora --segundo os seguranças, devido à falta de energia.
Diferentemente dos "rolezinhos" tradicionais, o público era variado: mulheres idosas, casais, crianças e trabalhadores que haviam acabado de sair do trabalho.
O "hit" do ato de ontem foi o grito: "Pisa ligeiro, pisa ligeiro, quem não pode com a formiga não atiça o formigueiro". Seria um recado para que outros shoppings não "discriminassem" os "rolezinhos", sob ameaça novos "rolezões populares".
Vez ou outra, sobrava até para o prefeito Fernando Haddad. "O povo na rua, Haddad a culpa é sua", gritavam alguns sem-teto.
Na semana passada, o prefeito afirmou que o terreno invadido onde está a Nova Palestina deveria virar parque --o que revoltou os sem-teto, que bloquearam vias da zona sul na sexta-feira.
Anteontem, porém, a prefeitura aceitou rever a posição em reunião com o grupo.
FREQUENTADORES
As manifestações irritaram clientes do shopping do Campo Limpo. "Isso é um absurdo, aguento sete horas de serviço e ainda não posso vir aqui comprar coisas que preciso?, disse Edmundo Santos, que tentava entrar no centro de compras.
Grande parte dos manifestantes do "rolezão" disse que vai a esse shopping com frequência, o mais próximo da Nova Palestina.
É o caso de Eliane Nunes, 34. "Às vezes vou para comprar, às vezes para comer", disse. "Acho que hoje o shopping ficou com medo de baderna. Mas desta vez não ia ter baderna", afirmou.
Já a balconista de padaria Luciana Santiago, 33, que mora na Nova Palestina, disse nunca ter ido ao local."Trabalho demais, mas acho que a maioria aqui vai, e vai para gastar."
Diante da porta fechada, os manifestantes interditaram a estrada de Itapecerica por cerca de 40 minutos e distribuíram pão com mortadela no meio da rua.
Sob o comando de uma jovem que subiu na grade, repetiram um discurso que dizia: "os donos de shoppings, os ricos desse país, precisam saber que não vão dizer onde nós, trabalhadores pobres, podemos entrar ou não."
Dois rapazes arremessaram duas latas de tinta preta contra o prédio, que sujou o chão e respingou na fachada. "Se não querem nossa cor, vão conviver com essa tinta", bradou a jovem.
De dentro do shopping, através de um vidro verde espelhado, homens de camisa, alguns de gravata, olhavam curiosos o "rolezão", filmavam e fotografavam com o celular o povo na rua.
O pão com mortadela também apareceu no Jardim Sul, onde foi apelidado de "x-rolezão". O estabelecimento não obteve liminar judicial, mas afirmou em nota que o fechamento foi necessário como "parte do plano de ações para garantir a integridade e segurança de seus clientes, lojistas e colaboradores".
ANÁLISE
Decisão é correta para conter delito, mas pode acirrar conflito social
SE HÁ DELITO, A POLÍCIA DEVE INTERVIR E SEGURANÇAS PODEM AGIR --E ISSO NÃO É OBJETO DE DEBATE
GUSTAVO ROMANOESPECIAL PARA A FOLHA, 17/1/2014
Gilberto Carvalho, secretário-geral da Presidência da República, afirmou que a repressão policial é combustível na fogueira dos "rolezinhos". Sua análise pode ser estendida às decisões judiciais que impediram esses eventos.
Se a gênese desses encontros em shoppings é o desejo de jovens de periferia de acessarem espaços frequentados pelas classes às quais aspiram, as tentativas de afastá-los atiça tais anseios.
Os shoppings são espaços privados, e seus gestores têm obrigações legais para com frequentadores, empregados e lojistas.
Da mesma forma, as autoridades públicas são igualmente responsáveis por garantir a segurança das pessoas e do patrimônio.
Se há delito, a polícia deve intervir e seguranças privados podem agir --e isso não é objeto de debate.
O problema surge quando esses agentes reprimem de forma desproporcional ou tentam impedir encontros de forma preconceituosa.
No caso das liminares judiciais, o argumento principal é que o shopping não é o espaço adequado para tais manifestações sociais.
Isso é verdade do ponto de vista jurídico e urbanístico. Ao mesmo tempo, os shoppings, ainda que privados, fazem as vezes de espaços públicos em um país que --por violência, negligência e desleixo-- carece de espaços públicos adequados.
A Justiça acerta ao dizer que isso não transforma esses centros na arena adequada para aglomerações ou reivindicações sociais.
Se o remédio jurídico é tecnicamente correto, ele pode agravar o problema ao fazer com que tais jovens sintam-se ainda mais excluídos.
O shopping tornou-se, involuntariamente, em espelho de uma batalha social e da carência urbanística das quais até agora se beneficiava.
Mas tudo isso são sintomas e paliativos que apenas conturbam o debate em relação às causas: falta de planejamento urbano, desigualdade e ausência de etos social que nos faça sentir parte de uma mesma comunidade.
O cenário é parecido ao das ruas em 2013: a tentativa de reafirmar a inclusão através da participação no espaço público pode se transformar em uma espiral de violência caso o poder público tome medidas que exacerbem o sentimento de exclusão.
Alckmin reitera que 'rolê' não é caso para a PM
DE SÃO PAULO, Folaha de S.Paulo, 17/1/2014
O governador de SP, Geraldo Alckmin, reafirmou ontem que o governo tratará os "rolês" como fenômeno cultural. "O rolê', o passeio, a volta, isso é bom, é uma atividade cultural, não é problema de polícia." Anteontem, o secretário de segurança Fernando Grella havia dado declaração parecida.
"Problema de polícia é se há depredação, se há roubo", completou. Segundo ele, a PM pode voltar a agir nos shoppings, se necessário.
O ministro Gilberto Carvalho (Secretaria Geral da Presidência), disse ontem que a repressão policial fará o movimento crescer, como ocorreu nos protestos de junho de 2013. "Mais uma vez a ação inadequada da polícia acaba colocando gasolina no fogo."
Dilma já usa ‘rolezinho' contra a oposição
Estratégia também prevê a aproximação de jovens das periferias e nas redes sociais
17 de janeiro de 2014 | 3h 00
Fábio Guibu, Tânia Monteiro e Vera Rosa - O Estado de S. Paulo
Em mais uma tentativa de se contrapor ao PSDB, o governo Dilma saiu em defesa dos jovens que promovem "rolezinhos" nos shoppings e tentou acusar os adversário de fazer discriminação social. Na avaliação do Palácio do Planalto, o apoio à manifestação não apenas serve de antídoto a possíveis atos de vandalismo como ajuda a aproximar a presidente Dilma Rousseff de jovens da periferia, nas redes sociais, neste ano de eleições.
Responsável pelo diálogo com os movimentos sociais, o ministro-chefe da Secretaria-Geral da Presidência, Gilberto Carvalho, criticou a repressão policial aos "rolezinhos" em São Paulo e a concessão de medidas liminares, por parte da Justiça, a lojistas de shoppings, receosos com o movimento dos jovens da periferia.
Gasolina no fogo. "Mais uma vez, a ação inadequada da polícia acabou botando gasolina no fogo", afirmou Carvalho, que esteve nesta quinta-feira, 16, no Recife, onde participou de dois encontros com jovens de Pastorais da Juventude da Igreja Católica. "Eu não tenho dúvida de que a concessão dessas liminares (para proteger os shoppings contra os rolezinhos) também é um erro. Para mim é, no mínimo, inconstitucional." O ministro disse que "os conservadores deste País" devem se conformar que os direitos vieram para todos. "Qual o critério que você vai selecionar uma pessoa da outra? É a cor, é o tipo de roupa que veste? Tudo isso implica preconceito, no prejulgamento de uma pessoa e fere a Constituição", insistiu Carvalho.
Para a chefe da Secretaria da Igualdade Racial, Luiza Bairros, declarações como as do senador Aloysio Nunes Ferreira (PSDB-SP), que chamou os manifestantes de "cavalões", podem acirrar os ânimos. Para ela, a intenção dos jovens da periferia é totalmente pacífica, mas a reação "preconceituosa" das pessoas brancas tende a causar problemas.
Na terça-feira, Dilma chamou ao Palácio do Alvorada os ministros Carvalho, Luiza Bairros, José Eduardo Cardozo (Justiça) e Marta Suplicy (Cultura). "Ela nos alertou a ter cuidado ao tratar do assunto", contou o secretário-geral da Presidência. "Não dá para embarcar nessa história de repressão."
A ordem do Planalto é para tratar o assunto com naturalidade e, sempre que possível, criticar a posição de parlamentares do PSDB e do governador Geraldo Alckmin, candidato ao segundo mandato. É em São Paulo, maior colégio eleitoral do País, que o PT vai disputar com Alckmin a agenda da segurança.
Dilma, porém, não quer que o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo - em férias a partir desta sexta-feira, 17, - entre nesse tema. Motivo: o Planalto fará de tudo para não passar a impressão de que a presidente está preocupada com depredações e com mais uma crise de segurança, em uma reedição dos protestos de junho.
Monitoramento. Na prática, a orientação do Planalto é apenas para que ministros monitorem atentamente os "rolezinhos", principalmente na internet, com o objetivo de evitar que as manifestações sejam apropriadas por vândalos e black blocs. "A gente tem de ter a humildade de observar primeiro, de acompanhar e procurar entender mais profundamente do que se trata", disse Carvalho. "Todos nós precisamos ter cuidado para não querer dar uma de sábios."
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