Grupos sob condições extremas, como nos nossos presídios, regridem a estágios morais inferiores?
A governadora Roseana Sarney (PMDB) considera inexplicáveis as decapitações na masmorra de Pedrinhas, em São Luís, capital do Maranhão. Problema dela.
No restante do país, a pergunta que perambulou pelos giros e sulcos dos córtices cerebrais foi: como se pode entender que um ser humano chegue a tal ponto de crueldade? De que servem as ciências naturais, se incapazes de oferecer explicações não triviais para o buraco negro que se instalou em Pedrinhas e ameaça sugar tudo à volta em São Luís?
O entusiasta da neurociência contemporânea talvez proteste que ela tem, sim, muitas explicações para fenômenos como esses. Afinal, ela tem explicação para tudo.
Do alicerce ilusório do livre-arbítrio e dos juízos éticos, sempre precedidos por decisões ou reflexos inconscientes, passando pelas razões evolucionistas para preservar no pool genético da espécie alguns genes de propensão para a agressividade e pela sobrevivência de estruturas cerebrais primitivas, até chegar à cumeeira do edifício neodarwinista com "os melhores anjos da nossa natureza" (título do livro de Steven Pinker) e o declínio da violência --nada na mente humana parece escapar à luz que emana da fusão de Darwin com a ressonância nuclear magnética funcional.
E Pedrinhas? Podem-se elucubrar duas vertentes de explicação.
Na primeira, que privilegiaria o plano individual, haveria que buscar na anatomia ou no perfil genético-neuroquímico disfuncionais de cada perpetrador as raízes do comportamento celerado. Esse programa lombrosiano de pesquisa deu poucos resultados até hoje, pela imensa dificuldade de provar nexos causais entre uma coisa e outra.
Na outra vertente sobressairia o plano coletivo, o da etologia. Grupos de pessoas submetidas a condições propícias, ou extremas (como sem dúvida são as dos presídios nacionais), regrediriam a estágios anteriores do comportamento moral. Uma vez confinados à lógica da violência e da sobrevivência, os prisioneiros ficariam sob o jugo do cérebro, digamos, reptiliano.
Ficou famoso, na história contemporânea da ciência, o Experimento da Prisão de Stanford (em inglês: www.prisonexp.org), capitaneado pelo polêmico Philip G. Zimbardo. Ainda que não tenham alcançado o paroxismo de Pedrinhas, estudantes universitários precisaram de apenas seis dias para se transformar em guardas sádicos, numa simulação da vida em cárcere.
Zimbardo interrompeu a experiência quando as coisas começaram a sair do controle, antes das duas semanas previstas. No Maranhão, 62 mortes não bastaram.
Não tenho dúvida de que há um réptil adormecido em todos nós. É a condição necessária para o que se passa em São Luís. Mas é também insuficiente, parece óbvio, para explicar o nível rastejante em que se encontram os costumes por lá.
Para isso, não há como escapar das ciências sociais e históricas. Pobreza não explica tudo, mas tampouco há de ser coincidência que o Estado do ex-presidente da República e do Congresso José Sarney tenha o segundo pior IDH do país (0,639). O pior de todos (0,631) está nas Alagoas de Renan Calheiros --o atual presidente do Congresso.
Folha de S.Paulo, 12/1/2014
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