Funkeiro MC Bio diz que os encontros não podem atrapalhar famílias
Para outro adepto do estilo ostentação, bagunça só ajuda a aumentar o preconceito contra o gênero funk
GIBA BERGAMIM JR.GIULIANA VALLONEDE SÃO PAULO, Folha de S.Paulo, 26/1/2014
No boné, a frase "Get rich. Or die trying!" ("Fique rico. Ou morra tentando") e a imagem bordada de um cifrão.
No boné, a frase "Get rich. Or die trying!" ("Fique rico. Ou morra tentando") e a imagem bordada de um cifrão.
Camiseta da grife Tommy Hilfiger, tênis Nike, cordão de ouro e um relógio suíço avaliado em R$ 4.000.
Cleber Alves, 29, o MC Bio G3, é, da cabeça aos pés, o estilo ostentação, vertente do funk criada por ele e por seu parceiro, BackDi.
É assim que sonham ser e ter muitos dos jovens que fazem os "rolezinhos" em shoppings de São Paulo.
A música de Bio G3 faz parte da "trilha sonora" desses jovens. O MC, porém, é contra as correrias que ocorrem nesses encontros desde dezembro e que fizeram os centros de compras irem à Justiça para proibir os eventos.
"É uma manifestação de quem se sente à margem da sociedade e quer mostrar que também tem acesso a esses lugares", afirma. Segundo ele, embora o funk seja a trilha sonora dos "rolezeiros" os eventos não têm relação com o gênero musical.
"Sou a favor só se não interferir na vida do trabalhador, do lojista e de quem está lá com a família. Quando começa a invadir o espaço que também é dos outros, sou contra. Porque aí não há ideologia, é só bagunça", disse.
Os "rolezinhos" marcados pelas redes sociais atraem milhares de jovens que entram nos shoppings de forma pacífica. Uma vez lá dentro, costumam promover correrias.
VERTENTE
"Tá de Juliet, Romeo 2 e Double Shox. Vale mais de um barão, esse é o bonde da Oakley" diz a música "Bonde da Juju", hit precursor do estilo musical que toca nos celulares dos jovens.
Bio G3, o autor do funk, resume o estilo: "Ostentação é a vertente de um estilo musical que fala sobre consumo, marcas e sobre o potencial do jovem da periferia, que hoje tem acesso a coisas que antes não tinha."
"O jovem de periferia passou muito tempo sem isso. A gente olhava para a nave [carro de luxo] e achava que aquilo não era para a gente. Hoje, cantamos para que quem nos escuta busque isso."
MC Kelvinho, outro "astro-ostentação" --crescido em Cidade Tiradentes (zona leste), assim como Bio-- tem o estilo que inspira os "rolezeiros".
Aos 18, está entre os artistas que têm músicas de sucesso no Youtube, que lhe garantem contratos para shows em todo o país. Para ele, falta organização aos "rolezinhos".
"Tem que ser ordenado. Se for tumultuado, vai criar preconceito e isso cai em cima do funk, que também é discriminado", afirma.
'Rolezinho' reúne cerca de 350 jovens no Ibirapuera
Briga entre grupos provocou confusão, que foi contida rapidamente por guardas municipais
O primeiro rolezinho' da capital paulista no parque Ibirapuera (zona sul) reuniu cerca de 350 adolescentes na tarde de ontem.
O encontro, marcado pelas redes sociais, se misturou com a roda de jovens que tocavam rock em frente ao Museu de Arte Moderna.
Algumas meninas, com idades entre 14 e 15 anos, foram ao parque acompanhadas das mães para conhecer pessoalmente os "ídolos".
Quando os organizadores do evento chegaram no parque houve correria das "fãs", que tentavam tirar fotos e abraçar os rapazes.
Para Vinícius Andrade, 17, um dos "ídolos" e morador do Capão Redondo (zona sul), o "rolezinho" ficou melhor no parque Ibirapuera do que nos shoppings.
Durante grande parte do tempo, o clima ameno prevaleceu o encontro dos jovens.
Uma briga isolada entre grupos na marquise do Ibirapuera provocou uma confusão momentânea.
O tumulto foi rapidamente contido por homens na Guarda Municipal.
Segundo a Secretaria do Verde e do Meio Ambiente, depois que os jovens foram separados não houve registro de outros tumultos.
PORTAS FECHADAS
Em Brasília, o shopping Iguatemi decidiu fechar as portas com medo de um "rolezinho" marcado para ontem.
Mais de 3.000 haviam confirmado presença no ato através das redes sociais.
A administração do shopping afirmou, em nota, que não tinha como garantir a seguranças dos clientes, uma vez que não tem estrutura para receber manifestações.
'Ostentação' mudou a vida dos MCs funkeiros
DE SÃO PAULO
Expoentes do funk ostentação deixaram para trás a vida humilde das periferias para entrar de cabeça no mundo do luxo. Compraram carros, casas e joias.
"Minha vida mudou drasticamente desde que comecei a cantar funk. Não tinha nada, hoje tenho boa parte do que eu quero ter: carro, casa e tudo mais ", afirma MC Kelvinho, 18, que cresceu em Cidade Tiradentes (zona leste), berço dos festivais de funk, assim como Bio G3.
Adeptos dos "rolezinhos" são inspirados pelo funk. Sonham, por exemplo, com o sucesso de MC Guimê, um dos mais aclamados do estilo ostentação.Com a agenda lotada de shows, Guimê contabiliza 42 milhões de acessos no clipe de sua "Plaquê de 100".
"Todo mundo quer gastar e ter o que não tinha. Isso é um sonho para muitos pequenos artistas, mas já é a realidade para alguns", diz Bio G3.
Juan Carlos Silvestre, 16, o Don Juan, é o típico "rolezeiro" que quer virar funkeiro.
Sucesso entre as garotas, ele tem milhares de fãs que o seguem no Facebook e agora quer tentar a carreira de MC.
MC Kelvinho sabe da influência que sua música tem sobre esses jovens. "A gente também tem que servir de inspiração para essa molecada, para que surjam novos MCs e que eles consigam o que a gente conseguiu."
Acessórios e roupas são chamarizes para o sucesso num dos objetivos do "rolezinho": conhecer gente e beijar na boca. "Menino tem que estar de camiseta branca, Nike Shox, boné e um [óculos] Juliet", resumiu uma garota.
Periferia sustenta maior parte do consumo na cidade de São Paulo
FERNANDO CANZIANEDITOR DO "TV FOLHA"
É a periferia quem hoje sustenta a maior parte do consumo na cidade de São Paulo.
Os bairros mais afastados gastaram quase R$ 190 bilhões no ano passado em lojas, supermercados e outros serviços. A região central, cerca de R$ 88 bilhões.
Os números, do instituto Data Popular, refletem, a partir da maior cidade do país, a atual preponderância e influência das classes remediadas sobre a dinâmica da economia brasileira.
Os jovens, centenas deles adeptos desses "rolezinhos", estão no centro disso.
O Brasil tem hoje cerca de 31 milhões de jovens entre 16 e 24 anos. A massa de renda dos considerados "classe média" (ganham entre R$ 320 e R$ 1.120 ao mês) é superior à dos jovens das classes alta e baixa somadas.
Mais da metade (54%) dos jovens brasileiros costumam ir a shoppings pelo menos uma vez por mês, informa a pesquisa, feita em 53 municípios a partir de 1.500 entrevistas (margem de erro de 2,1 pontos percentuais).
O levantamento também procurou aferir como o topo da pirâmide da renda nacional enxerga essa classe média emergente.
Metade dessa "elite" diz preferir frequentar apenas ambientes com pessoas do seu nível social. Outros 26% acham que estações de metrô aumentam a circulação de pessoas indesejáveis nas proximidades de suas casas.
É um novo velho Brasil.
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