Se o Cosmo é determinístico, a "máquina" existe além de nossa capacidade de cálculo, como uma versão de Deus
na Semana passada, escrevi sobre a questão do livre-arbítrio, se somos ou não agentes de nossas próprias decisões. Essa reflexão foi despertada pelo livro de Sam Harris sobre o assunto e por minha participação numa mesa redonda sobre o tema. Harris, que tem doutorado em neurociências, é um autor conhecido nos EUA. No livro, diz que a sensação que temos de controlar nossas ações não passa de uma ilusão.
Harris não tirou sua conclusão do nada. Vários experimentos realizados nas últimas duas décadas mostram que a decisão é tomada antes que o sujeito tenha consciência disso. Nesses experimentos, o cérebro age antes da mente.
Argumentei que a questão não é tão simples, que não pode ser reduzida a um simples sim (o livre-arbítrio existe) ou não (escolhas são todas de forma subconsciente). Há todo um espectro de decisões que tomamos na vida que exige ponderação mais profunda. Esses casos são muito diferentes dos investigados no laboratório. E, aqui sim, me parece que o livre-arbítrio, compreendido como nossa habilidade de fazer escolhas mesmo sob uma série de condições, tem seu papel.
Porém, não mencionei a questão do determinismo, essencial numa discussão sobre o livre-arbítrio. Na física, um sistema é determinístico se seu comportamento futuro (e passado) pode ser obtido de seu comportamento presente. Na prática, sistemas físicos determinísticos são descritos por equações que permitem esse avanço preciso no tempo.
A imagem que temos é a de um relógio que vai avançando seguindo as leis da mecânica. Daqui vem a metáfora do Universo-relógio, que foi tão importante nos séculos 18 e 19, culminando com a declaração do francês Pierre Laplace: se uma supermente conhecer a posição e a velocidade de todas as partículas existentes no Cosmo em um determinado instante, poderá prever suas posições futuras com precisão. Nesse caso, tudo é predeterminado pelas leis da mecânica: eu ter escrito este ensaio, o país que ganhará a Copa, a inflação no ano 2045.
É claro que, no caso de um determinismo perfeito, o livre-arbítrio não existe. Somo todos autômatos, seguindo uma coreografia predeterminada. Não é à toa que os românticos detestavam a mecanicidade da ciência do século 19.
Felizmente, esse determinismo é impossível. Não podemos saber a posição e velocidade de todas as partículas que existem num mesmo instante: como medir à distâncias de bilhões de anos-luz? Ademais, sistemas com interações complexas (do Sistema Solar a um cérebro) são sensíveis à precisão com que sabemos a posição e velocidade de seus componentes. Como nenhuma medida tem precisão absoluta, não podemos prever o futuro distante.
A física quântica também impõe limites na precisão das medidas de posição e velocidade de uma partícula. Do nosso ponto de vista, o determinismo é inviável, especialmente para sistemas complexos como o cérebro ou a sociedade.
A alternativa é que o Cosmo seja determinístico e que nós sejamos incapazes de saber como isso ocorre. A "máquina" existiria além de nossos instrumentos ou capacidade de cálculo. Me parece que esse tipo de determinismo é uma outra versão de Deus: onisciente, inescrutável e impossível de ser comprovado.
Nenhum comentário:
Postar um comentário