SÃO PAULO - É verdade que os EUA, ao contrário de outras potências mundiais, são uma democracia e dão valor à opinião pública. Uma denúncia de abusos e violações de direitos civis por parte de agências governamentais na China ou na Rússia, por exemplo, não provocaria nada além de sorrisos irônicos.
Feita essa ressalva fundamental, acho que podemos dizer que o presidente Barack Obama desperdiçou mais uma oportunidade de desperdiçar uma oportunidade.
Os vazamentos capitaneados por Edward Snowden o deixaram numa posição confortável para contrapor-se à comunidade de informações e moderar a política de vigilância eletrônica indiscriminada, se de fato estivesse disposto a fazê-lo. O presidente, entretanto, preferiu enrolar. Saiu-se com um discurso caudaloso em que acena com algumas mudanças, mas que, nas entrelinhas, indica que as coisas permanecerão mais ou menos como estão.
Obama também disse que o debate em torno dos limites da espionagem tornará os EUA mais fortes, mas criticou o ex-funcionário da NSA por ter divulgado publicamente os documentos. É difícil afastar o paradoxo. Se a discussão é realmente boa para os EUA em termos institucionais, como quase todos pensamos que seja, então Snowden prestou um serviço ao país, ainda que tenha quebrado alguns ovos no processo, ao escancarar para o mundo alguns procedimentos e rotinas das agências que conviria manter secretos.
Para Obama, Snowden deveria ter procurado seus superiores para denunciar os abusos, valendo-se de uma nova legislação que protege informantes. Não sei se o presidente está sendo ingênuo ou cínico. Snowden, afinal, não denunciou uma operação específica que possa ter sido mal conduzida. Ele revelou ao mundo a escala maciça da bisbilhotice, algo de que os principais dirigentes das agências, quando não o próprio Obama, estavam obviamente a par.
Folha de S.Paulo, 24/1/2014
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