21 de janeiro de 2014

Os dez anos do Estatuto do Desarmamento

BRUNO LANGEANI E MARCELLO BAIRD


Alheia ao impacto negativo de suas ações para a segurança pública, a indústria brasileira de armas busca permanentes benefícios fiscais para o setor
Fruto da mobilização de diferentes setores da sociedade, o Estatuto do Desarmamento completou dez anos em dezembro de 2013 e ainda causa um sentimento paradoxal.
Por um lado, o estatuto é uma grande conquista e trouxe resultados concretos logo no início de sua entrada em vigor. O ano de 2004 registrou a primeira queda no índice de homicídios do país após mais de uma década de crescimento ininterrupto. Mas, por outro lado, a lei em grande medida não saiu do papel e está colocando em xeque todos os avanços obtidos na área.
O estatuto foi a primeira lei a efetivamente estabelecer uma política de controle de armas no país, definindo parâmetros para a produção, registro, comercialização e destruição das armas. Ao restringir a posse e proibir o porte para civis, teve como principal trunfo a redução do número de homicídios.
A efetividade dessa medida já foi comprovada por diversos estudos. De acordo com pesquisa do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), em média, a cada ponto percentual a mais no número de armas de fogo em uma cidade, a taxa de homicídios chega a aumentar dois pontos percentuais.
Ao contrário do que afirma a indústria, as armas utilizadas nos crimes são majoritariamente brasileiras (78%) e de calibres acessíveis a civis, conforme estudo recém-lançado pelo Instituto Sou da Paz (http://bit.do/armas). Outro dado da mesma pesquisa mostra o quanto ainda sofremos com as legislações permissivas de outrora, já que 64% das armas apreendidas em São Paulo em 2011 e 2012 foram fabricadas antes do estatuto.
Nesse sentido, esforços para garantir um controle cada vez mais rígido das armas são extremamente necessários para a segurança pública do país. Ações dos três Poderes nos três níveis federativos são fundamentais para garantir o cumprimento de medidas básicas da lei, como um banco de dados integrado, efetiva fiscalização de categorias com acesso a armas e empresas de segurança privada, bem como uma célere destruição das armas apreendidas.
Se não bastassem essas dificuldades, ainda há poderoso lobby visando flexibilizar o estatuto. Diversas categorias profissionais, como agentes penitenciários e profissionais da área jurídica, buscam ter acesso ao porte de armas, com apoio da indústria brasileira, que financiou 28 congressistas da atual legislatura e que, alheia ao impacto negativo de suas ações para a segurança pública, também busca permanentes benefícios fiscais ao setor, que já é o quarto maior exportador mundial de armas leves e pequenas.
Em que pesem esses desafios, a sociedade brasileira permanece firme em sua opção por um controle mais rígido da circulação de armas. Recente pesquisa do Datafolha sobre o posicionamento ideológico da população revelou que 69% dos brasileiros acreditam que a posse de armas deve ser proibida, pois ameaça a vida de outras pessoas.
Esse é o sinal para que os tomadores de decisão também se mantenham firmes no sentido de fortalecer o controle das armas no país.
Obviamente sabemos que, para termos um país seguro, é preciso uma abordagem integral e sistêmica do problema da segurança, que envolve conhecimento aprofundado do problema, investimento em ações de prevenção e melhoria do nosso aparato repressivo.
Mas é fato que, num país em que 70% dos homicídios continuam sendo cometidos com armas de fogo, uma efetiva política pública de controle de armas é peça fundamental na engrenagem da segurança pública brasileira. Aproveitemos a data para darmos o passo definitivo para uma real política de controle de armas no país.

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