28 de janeiro de 2014

VLADIMIR SAFATLE O retorno (a violencia)


Neste final de semana, o Brasil voltou a ver manifestantes nas ruas. Era de esperar que, em algum momento, a insatisfação voltasse a explodir, pois, se há algo que caracteriza a política brasileira pós-junho, é a tentativa autista de fingir que nada aconteceu no país.
Um exemplo maior e qua- se cômico é o destino dado às exigências populares de uma "outra política". Elas pararam na lata de lixo mais próxima. Depois de apresentar com uma mão um projeto de Assembleia Constituinte para a reforma política e retirá-lo com a outra, o governo prometera pressionar o Congresso Nacional para debater as propostas. O resultado foi cosmético, se quisermos ter um mínimo de generosidade. Não há nenhuma reflexão sobre o aprofundamento da participação popular na pauta. Não há nada sobre democracia direta, nem sequer como promessa de campanha de algum candidato. Ou seja, não há coisa alguma.
Já a revolta popular contra a inexistência de um segundo ciclo de políticas contra a desigualdade baseadas na universalização de serviços públicos de qualidade também passou em silêncio.
Ações pontuais não são mudanças estruturais e, se existe algo que os brasileiros conhecem muito bem, é a arte milenar do ajuste aqui e ali ou a recente nova arte de tentar abaixar o fogo da panela de pressão com a cantilena do "quando o pré-sal chegar, tudo será diferente".
Quando o pré-sal chegar, teremos dinheiro para resolver os problemas da educa-ção, mesmo que isso signifique prometer algo em um prazo em que os governos serão outros e em cima de um pretenso rendimento que não sabemos nem sequer de quanto ele realmente será. Não parece que isso possa ser chamado de "solução" para problemas. Por isso, nada mais sábio do que manifestantes que gritam: "Se não houver direitos, não haverá Copa".
A Copa do Mundo virou a melhor expressão da irracionalidade econômica brasi- leira. Dinheiro gasto em vários estádios de futebol que servirão para nada, promessas de melhoria na mobilidade urbana que ninguém verá, aero-portos de lona que durarão o tempo de as comitivas pas- sarem, índios desalojados para sair da frente dos tratores e, principalmente, desconsideração sobre o que a população realmente entende como prioridades.
Alguém deveria lembrar que talvez os brasileiros não tenham nascido para ser figurantes de campanhas de patrocinadores da Copa.
Mas, ao que parece, nós vamos precisar ainda de muita vitrine de banco quebra- da e de muita pedra atirada contra a polícia para que certas insatisfações sejam realmente 
ouvidas.

Folha de S.Paulo, 28/1/2014

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