15 de janeiro de 2014

Onda de 'rolezinhos' deixam Dilma e shoppings em alerta


Represión indiscriminada no es la respuesta!!
Em reuniões de emergência, associação discutirá medidas para barrar encontros
Em SP, secretário da Segurança não descarta uso da força; encontros foram marcados em protesto contra liminar
LEANDRO MACHADOGIBA BERGAMIM JR.DE SÃO PAULONATUZA NERYDE BRASÍLIA, Folha de S.Paulo, 15/1/2014

Os shopping centers do país estão se preparando para enfrentar uma onda de "rolezinhos", encontro de jovens marcados nos centros por meio das redes sociais.
A possível multiplicação dos encontros, que podem assumir caráter de protesto, também preocupa a presidente Dilma Rousseff. Ontem, ela surpreendeu sua equipe ao convocar uma reunião para tratar do assunto.
O maior temor da presidente é que os "rolezinhos" tenham adesão de adeptos da tática de protesto "black bloc".
Ontem, o secretário de Segurança Pública, Fernando Grella Vieira, defendeu que a PM use a força contra os "rolezinhos" se for necessário.
Antes restritos à periferia de São Paulo, os eventos ganharam apoio de movimentos sociais nos últimos dias. A tentativa dos shoppings de proibir os "rolezinhos" no fim de semana insuflou a organização de novos encontros.
Ao menos três shoppings da capital conseguiram liminares que proibiam encontros no último sábado. Quem participasse, poderia ser multado em até R$ 10 mil.
A Abrasce (associação que reúne 264 shoppings no país) fará uma série de reuniões de emergência com representantes dos centros comerciais.
Os shoppings não descartam entrar novamente na Justiça para impedir os "rolezinhos" e vão destacar mais seguranças nos próximos eventos, que são monitorados.
As reuniões entre os representantes do setor acontecem hoje em São Paulo e amanhã em Porto Alegre. No Rio, ainda não há data.
O fenômeno dos "rolezinhos" surgiu em 2013 como forma de jovens de periferia buscar diversão, em eventos marcados pelo Facebook. Alguns tiveram correria e furtos.
As ações judiciais para impedi-los gera polêmica.
Quem é a favor diz que a manifestação leva medo aos demais frequentadores. Quem é contra alega que a medida é discriminatória e impede o direito de ir e vir.
No último sábado, a PM usou bombas de gás para dispersar os jovens que faziam um "rolezinho" no shopping Metrô Itaquera, na capital.
Agora, há "rolezinhos" marcados no Rio, Brasília, Rio Grande do Sul, Santa Catarina e em Pernambuco.
Só em São Paulo, há ao menos quatro programados para o próximo fim de semana em áreas como Tatuapé e Santana. Outro deve ocorrer no Parque Ibirapuera.
"Não abrimos mão da nossa imagem de lugar seguro e confortável", afirma Luiz Fernando Veiga, presidente da Abrasce.
Além do Itaquera, conseguiram liminar os shoppings JK Iguatemi e Campo Limpo. Em Campinas, a Justiça não aceitou o pedido de dois shoppings, mas determinou que houvesse reforço policial.
As liminares que barram "rolezinhos" num determinado shopping não têm validade para outros centros e valem só para o dia do evento.
Dez jovens foram citados na liminar. Segundo o TJ, eles terão 15 dias para se defender. Após isso, o juiz dará a sentença, que pode ser a multa. Uma audiência de conciliação também pode ser marcada.

Planalto teme adesão de 'black blocs'
DE BRASÍLIA
A presidente Dilma Rousseff surpreendeu ontem sua equipe ao convocar uma reunião para tratar dos "rolezinhos".
Dilma encomendou diagnósticos sobre o movimento e se mostrou preocupada com uma possível apropriação dele por grupos radicais. O temor é que "black blocs" ou até o crime organizado se aproveitem do fenômeno para criar confusão, apurou aFolha.
Conforme relatos, a presidente disse ser contra atos de repressão e preconceito e disse que é preciso entender o fenômeno para evitar que ele cresça e fuja do controle.
O alerta surgiu no Planalto após grupos no Rio e em Brasília planejarem eventos semelhantes em protesto contra a repressão da polícia em São Paulo, onde nasceu o fenômeno.
De surpresa, Dilma convocou ministros como Marta Suplicy (Cultura) e José Eduardo Cardozo (Justiça). Todos retornaram a seus gabinetes pedindo diagnósticos do movimento.
A presidente disse que esses jovens estão nitidamente tentando ocupar espaços e que há um certo conteúdo de contestação na ação nos shoppings.
Na reunião, Marta informou que um grupo de Brasília havia convocado um "rolezinho" na Biblioteca Nacional. A ordem, então, foi para que o governo "acolhesse" o movimento, ao mesmo tempo em que observasse comportamentos inadequados.

Apesar das avaliações, Dilma disse que o governo ainda não tem opinião sobre o tema e ficou de reunir a equipe novamente para adotar uma posição.
DNA do rolê
Eventos em shoppings nasceram de encontros de adolescentes com seus fãs, todos eles moradores da periferia de SP
ANA KREPPDE SÃO PAULO
"Tô ligado que os polícia' tão em peso e já sabem quem eu sou" diz Lucas Lima, 17.
De bermuda jeans, camiseta regata branca do UFC, tênis Oakley preto, corrente no pescoço e uma réplica do relógio Invicta no pulso, ele era um dos 3.000 jovens no shopping Metrô Itaquera, no "rolezinho" do último sábado.
Mais do que isso, o adolescente organizou o evento daquele dia, que acabou em confusão, confronto com a Polícia Militar e registros de furtos e roubos.
Desconfiado da ação da polícia, resolveu se precaver. "Vou para casa trocar de roupa e ficar mais apresentável", disse o estudante do terceiro ano do ensino médio em um colégio público da zona leste que faz bicos como ajudante de pedreiro.
"Rolezinhos" são encontros marcados por redes sociais que atraem centenas de jovens a shoppings. Eles entram pacificamente nos locais, mas, depois, costumam promover correria assustando lojistas e frequentadores.
Os adolescentes se reúnem em grupos de cerca de 20. Passam correndo por corredores entoando batidas do funk. Os que vêm atrás se integram aos demais, numa formação conhecida como "bonde".
Nem sempre foi assim. "Rolês" acontecem desde 2012, mas antes eram chamados de "encontro de fãs" e serviam para que "ídolos" conhecessem os seus seguidores.
Que ídolos? Aqui, leia-se garotos e garotas que não são atores, cantores ou qualquer coisa parecida.
São jovens da periferia donos de perfis "famosinhos" que chegam a ter até 80 mil seguidores no Facebook, como o caso do adolescente Vinicius Andrade, 17.
Com uma quantidade dessas de "fãs", ávidos por contato, conhecer um por vez seria impossível. Assim nasceram os "protorolezinhos" que cresceram com o tempo.
O melhor lugar para isso, claro, shoppings afastados das áreas centrais da cidade --os mesmos que eles sempre frequentaram.
"Tem que ser em um lugar onde dê pra zoar e tirar foto com o ídolo", afirma Jhenifer, 17, que foi a sete "encontros de fãs" e passou a frequentar os "rolezinhos" em 7 de dezembro, data do primeiro rolê de que se tem notícia.
De lá para cá, outros cinco já ocorreram, quase todos com registro de correria.
Estagiária de uma empresa no centro de São Paulo, à Jhenifer só falta uma "carteirinha" para completar o perfil da fã perfeita.
Dos R$ 700 que recebe por mês, gasta cerca de R$ 100 em presentes para seus ídolos. Isso, fora o tempo despendido em cartas e recados para eles. Por quê?
"Eles colocam vídeos no Facebook e nos dão atenção. Quero retribuir e que eles saibam que eu existo", diz.
Entre o "panteão" de ídolos da periferia, está Juan Carlos Silvestre, 16, ou "Don Juan" --como é conhecido na internet desde 2012. O jovem é o preferido de Jhenifer e tem mais de 50 mil seguidores.
A devoção das garotas é proporcional ao tom sedutor do conquistador do Campo Belo, zona sul, que costuma terminar suas conversas com um "valeu gata, beijinho".
No dia do primeiro "rolezinho", em 7 de dezembro, em Itaquera, centenas de garotas queriam encontrá-lo.
De lá, Juan saiu com roupas de marca, ursinhos de pelúcia, cartas, perfumes e uma camiseta oficial do Corinthians, seu time do coração.
A vida de celebridade da internet, porém, não parece fazer a cabeça do menino. "Neste ano, vou investir mais na carreira de MC", diz Juan, com a certeza de sucesso que só os ídolos podem ter.
O mesmo caminho querem trilhar David Maciel, 13, e Rodrigo Micael, 16. Os dois também têm lá suas fãs no Facebook: quase 20 mil cada um deles. Pouco se comparado a "Don Juan", mas o suficiente para "lotar um pouquinho um shopping", diz David.
Boné para trás, Nike Shox no pé, camisa de marca e corrente dourada pendurada no pescoço, David costuma ser levado pelos pais até o shopping da zona leste.
Quando soube que o filho tinha fãs, Tatiane Maciel, 30, mãe do garoto, quase caiu para trás. "É impossível ir com ele a uma loja, as meninas nos param a cada minuto para tirar foto", diz ela, que afirma se preocupar com um possível "ego inflado" do menino.
BONDE DO ROLÊ
Nem só de ídolos, claro, são feitos os "rolezinhos" --que ganharam vida própria, transformando-se em baladas.
Lucas não está entre os famosos, mas nem por isso se diverte menos. Em dois rolês anteriores, ele garante ter beijado "16 ou 17 meninas", perde-se no cálculo.
E a questão política? "Não perco meu tempo em manifestações, os políticos vão continuar roubando", diz.
Durante duas semanas, a Folha acompanhou a rotina dele e de seus amigos, que convocam os eventos, com o objetivo principal de se dar bem com as garotas.
Lucas não sabia, mas estava "na mira das autoridades" desde o fim do ano passado, quando postou no Facebook a convocação para o "Rolezinho Shopping Itaquera Part 3", como o nome deixa claro, o terceiro no mesmo local.
Antes mesmo dos garotos entrarem, oficiais de Justiça já aguardavam na porta para cumprir liminar que proibia a realização do evento, sob pena de multa de R$ 10 mil por dia a quem fosse pego fazendo arruaça.
Lucas gasta todo o dinheiro que ganha em roupas de marca, parceladas no cartão.
O centro da sua diversão está no mesmo lugar de onde foi retirado no último sábado. "Vim me divertir, não fiz nada errado, não roubei, não matei e venho aqui há cinco anos", reclama.
Ele faz parte de um grupo de meninos e meninas que passam os dias conectados no celular e na internet, combinando os próximos eventos. Querem impressionar e disputam quem vai chamar mais a atenção "das cocotinhas" e dos "gatinhos".
"A gente só quer ver os amigos, conhecer gente, comer no Mc [Donald's] e acaba apanhando", diz Letícia Gomes, 15, estudante do segundo ano do ensino médio da rede pública.
O saldo do "rolezinho" de Itaquera, no último sábado, para Lucas: nenhum beijo na boca e um citação de um oficial de Justiça.
"Onde é que eu vou arrumar esse dinheiro?", diz.

IGOR GIELOW
Tudo errado
BRASÍLIA - À primeira vista, parece aquela reprise de filme ruim que intercepta irresistivelmente sua ida para a cama. Falo do "rolezinho".
Em junho de 2013, vimos também um movimento ganhar corpo e ser alimentado pela reação assustadiça do poder público e da mídia, só para degenerar em oportunismos e na anarquia manipulável dos "black blocs". Há diferenças, a começar pela escala indefinida hoje. A surpresa no ar pode ser mero exagero.
Mas o "rolezinho" não é, como querem os profetas progressistas da Vila Madalena (ou do Leblon, ou de setores do governo), a expressão máxima do oprimido. É uma molecagem que, com boa vontade, poderia ser vista como saudável na origem, mas está fadada a se perder.
É batata. A "Kulturkampf" de rede social instalada no país, alimentada pela prática de poder do PT e pela "intelectualidade" à esquerda, sempre transforma qualquer incidente em episódio épico de uma luta de classes na qual só há um lado certo.
É óbvio que a liminar instalando triagem social e a truculência de PMs são atos complementares de reatividade estúpida ao fenômeno. Repressão desmedida gera radicalização.
Mas também é líquido que shoppings são opções quase únicas de espaço aberto nas nossas cidades. Você gostaria de encarar com seu filho grupos desenfreados num corredor estreito? É inseguro, e nem falo da inevitável infiltração que o fenômeno terá de bandidos espertalhões.
Multidão é multidão, seja na área VIP de boate, em estádio de futebol ou no "rolezinho". É preciso regras de convivência para todos.
O embate do "rolezinho" pode servir de denúncia social, mas só se for da falência civilizacional do Brasil. O fato de a rua ter sido substituída pelo shopping, numa medíocre parceria público-privada para vender segurança ilusória, é sintoma disso.
Ao menos é democrático. Garotada, donos de shopping, PMs, ricos e pobres: estão todos errados.
Folha de S.Paulo, 15/1/2014

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