20 de julho de 2014

48% das escolas não têm computador para uso do aluno




BÁRBARA FERREIRA SANTOS - O ESTADO DE S. PAULO
21 Julho 2014 | 03h 00

Acesso cresce, mas problema de infraestrutura persiste, mostram dados da ONG Todos Pela Educação, referentes à rede pública

SÃO PAULO - Metade das escolas públicas do Brasil não tem computador para os alunos nem acesso à internet. No País, embora tenha diminuído em um terço o número de estudantes por equipamento - de 96, em 2008, para 34 em 2013 -, as escolas ainda enfrentam problemas de infraestrutura básica: faltam banda larga, laboratório de informática e até energia elétrica.
Os dados são de levantamento da ONG Todos pela Educação, com base no Censo Escolar 2013, obtido com exclusividade pelo Estado.
Os números mostram que, atualmente, 48,1% das escolas públicas de ensino básico não têm computador para uso individual dos alunos. A situação, contudo, melhorou nos últimos anos. De 2008 a 2013, o total de unidades sem acesso à internet caiu de 72,5% para 49,7% e o de escolas sem banda larga, de 82,3% para 59,3%. 
Apesar das melhorias, o País ainda está distante das metas de universalizar o acesso à banda larga e de triplicar a oferta de computadores por aluno na rede pública, previstas no Plano Nacional de Educação, recentemente aprovado no Congresso.
Esses patamares ainda estão longe de serem atingidos, principalmente no Norte e Nordeste, que apresentam profundas desigualdades em relação às demais regiões.
Apesar de terem investido na compra de equipamentos e apresentarem a redução mais significativa no número de alunos por computador de 2008 a 2013 - saíram de 163 e 162 alunos por máquina para 48 e 42, respectivamente -, essas regiões ainda têm as piores taxas de alunos por equipamento. A Região Sul, com 21 estudantes por computador, é a melhor. Em seguida estão o Centro-Oeste (30 por 1) e o Sudeste (35 por 1).



Infraestrutura precária. Mas não basta apenas a compra dos equipamentos. Diversas áreas sofrem ainda com a falta de infraestrutura básica. No Norte, por exemplo, 82,9% da rede pública não tem banda larga e 23,7% estão sem energia elétrica.
Segundo a gerente de projetos do Todos pela Educação, Andrea Bergamaschi, é preciso ter cuidado para que a desigualdade tecnológica não aprofunde o descompasso de aprendizado entre as regiões. “A tecnologia tem de ser usada para reduzir a desigualdade, não para aumentar.” Ela destaca a necessidade de articulação entre as Secretarias, quando, por exemplo, a escola não tem luz nem internet. “Se os equipamentos estão sendo comprados e não há estrutura, o que vai acontecer?”
O estudante Gustavo Brito de Oliveira, de 13 anos, que cursa a 7.ª série em uma escola estadual do Grajaú, na zona sul de São Paulo, conta que, dos 32 computadores do colégio, apenas 2 funcionam. “Seria melhor usá-los, poderíamos levar menos livros e ganhar tempo pesquisando rápido o que demoramos para achar na sala de aula.”
Em nota, a secretaria afirmou que vai enviar hoje um técnico à escola. Também informou que vai instaurar um processo administrativo para verificar o motivo pelo qual a maioria das máquinas não está disponível para uso dos alunos.

Não basta ter a máquina, alertam especialistas

BÁRBARA FERREIRA SANTOS - O ESTADO DE S. PAULO
21 Julho 2014 | 03h 00

É preciso também investir na formação do professor e planejar os gastos com os equipamentos

Divulgação
Especialistas alertam que é necessário planejar os gastos com tecnologia nas escolas, priorizando equipamentos que possam ser usados com qualidade nas salas de aula
SÃO PAULO - Investir em tecnologia no ensino não é apenas comprar e fazer a manutenção dos computadores, alertam especialistas. É preciso investir na formação dos professores, para que eles adquiram mais habilidades com os dispositivos, e planejar os gastos, priorizando equipamentos que possam ser usados com qualidade nas salas de aula.

O chileno Eugenio Severin, que foi consultor do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) em tecnologias na educação para a América Latina, explica que apenas colocar o computador na frente de um aluno e esperar que ele aprenda mais e melhor é como colocar um piano na frente de alguém e esperar que se faça música.
"Em muitos países da América Latina estamos cometendo o mesmo erro: acreditar que ao investir em tecnologia vamos resolver os problemas críticos da educação. A tecnologia por si só não resolve nenhum dos problemas educacionais. Esses problemas, na verdade, estão relacionados com a prática pedagógica, com a qualidade dos professores e com a estruturação do currículo", explica.
Severin diz, no entanto, que é preciso garantir as estruturas tecnológicas nas escolas. "Crer que vamos resolver todos os problemas com tecnologia é um erro, mas acreditar que vamos solucioná-los sem ela também é um erro. Temos de mudar a metodologia, pois, se vamos usar a tecnologia para as coisas que já estávamos fazendo no passado, perderemos o dinheiro investido."
Paulo Blikstein, professor brasileiro da Faculdade de Educação da Universidade Stanford, explica que é preciso planejar o gasto das redes com a tecnologia, priorizando os investimentos em equipamentos que serão usados efetivamente na aula e com propósitos definidos. "Hoje em dia há muitas outras formas de tecnologia. Antes era basicamente uma sala de informática na escola. Agora você pode ter em uma escola outras coisas que não o computador: pelo preço de um computador pode-se comprar 15 kits de robótica de baixo custo. Em vez de dois computadores, uma impressora 3D."
Desigualdade. Blikstein alerta para a desigualdade entre as escolas de diferentes regiões do País e entre as redes públicas e particulares. "É uma vergonha que em um país do tamanho do Brasil todas as escolas ainda não tenham banda larga. A preocupação é que, como a rede particular investe em todo tipo de equipamento e com mais rapidez, a distância entre o aluno da escola pública e da particular vai aumentar. Enquanto o estudante da privada vai fazer as coisas mais inovadoras, o aluno da pública vai usar as tecnologias mais obsoletas."
Segundo Blikstein, o uso da tecnologia pode melhorar a aprendizagem dos conteúdos tradicionais, mas principalmente pode ensinar novos, impossíveis de serem obtidos com papel e caneta. "Hoje há formas de ensinar ciência usando sensores ligados em smartphones que podem medir a qualidade da água em uma determinada região, por exemplo. São sensores que 20 anos atrás seriam impensáveis."
Mas, para isso, não basta capacitar o professor para lidar com o que há de mais moderno, diz Priscila Gonsales, diretora do Instituto Educadigital. Para ela, as redes escolares têm de criar estruturas que valorizem a autoria dos docentes e avaliações que contemplem atividades tecnológicas. "Pouco se dá de liberdade para o professor trazer o novo em um sistema voltado só para as avaliações oficiais. Temos de criar novos ecossistemas educacionais, que estimulem a troca de experiências entre docentes."

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