Artigo de Naercio Menezes Filho publicado no Valor Econômico
Recentemente a presidente da República sancionou o novo Plano Nacional de Educação (PNE), que estabelece diversas metas para a educação brasileira nos próximos 10 anos. Mas, será que esse plano ajudará a educação brasileira a alcançar os padrões de excelência que a sociedade tanto necessita?
Provavelmente não. Na verdade, o PNE foi concebido pelos movimentos corporativistas para conseguir transferir mais recursos da sociedade para si próprios, sem que haja cobrança de mais eficiência na aplicação desses recursos. Esse corporativismo fica claro em várias metas. Por exemplo, uma delas diz que 50% dos professores da educação básica deverão ter pós-graduação, sendo que atualmente 22% dos professores têm apenas o ensino médio, ou seja, somente 78% possuem nível superior.
Outra meta estabelece que o salário dos docentes deverá se aproximar da remuneração média dos profissionais com escolaridade equivalente (nível superior). Isso significaria aumentar o salário médio dos professores de R$ 1.874 para R$ 3.623, ou seja, dobrá-lo. Dado que há 2 milhões de docentes na educação básica no Brasil, isso significaria um custo adicional de cerca de R$ 45 bilhões por ano. Mas, segundo o PNE, haverá recursos disponíveis para isso, uma vez que outra meta estabelece que os gastos totais com educação deverão atingir 10% do PIB em 2020, partindo de 6,4% em 2012. Em valores atuais, isso significaria gastar cerca de R$ 180 bilhões a mais com educação. De onde viriam esses recursos?
Atualmente, o governo federal é responsável por 20% dos gastos totais com educação, sendo que suas despesas estão concentradas no ensino superior (correspondendo a 70% dos gastos nesse nível de ensino). Sua contribuição para ensino básico corresponde a apenas 11% do total, que inclui a complementação do Fundeb, o Pronatec e os programas que vão direto para a escola. Se o PNE for efetivamente colocado em prática, a União será obrigada a complementar os recursos dos Estados e municípios, caso eles não consigam investir o suficiente para cumprir os padrões mínimos de qualidade, que ainda serão determinados pelo Custo Aluno Qualidade (CAQ).
Atualmente, o gasto mínimo por aluno da educação básica em todo o Brasil depende do crescimento da arrecadação média dos Estados e municípios, que define o montante de recursos do Fundeb, que são investidos na educação básica. O governo federal complementa o Fundeb com 10% do total arrecadado pelo fundo, para ajudar os municípios mais pobres a atingir esse gasto mínimo. Assim, quando a arrecadação cresce (com o crescimento econômico, por exemplo), o valor do gasto mínimo aumenta.
Mas, o PNE pretende inverter essa lógica, desvinculando o gasto mínimo da arrecadação de impostos. Como os municípios já gastam pelo menos 25% da sua receita de impostos com educação, será muito difícil aumentar os gastos municipais. Vale notar que vários Estados e municípios já têm dificuldade nos dias de hoje para pagar o piso nacional de salários, que também é reajustado anualmente de acordo com o crescimento da arrecadação média de impostos.
Assim, a carga maior inevitavelmente recairá sobre o governo federal. Cabe ressaltar que as receitas de royalties do petróleo serão insuficientes para sustentar os gastos requeridos, já que as previsões indicam que elas atingirão no máximo R$ 134 bilhões em 10 anos, ao passo que para cumprir o PNE seriam necessários R$ 180 bilhões adicionais todos os anos. Desta forma, essa meta dificilmente será cumprida. O que, diga-se de passagem, não acarretará nenhum tipo de punição, pois as responsabilidades não foram definidas pela lei.
Mas a grande questão é que, mesmo que essa meta fosse cumprida, ela não seria suficiente para alcançar nosso objetivo final, que é melhorar o aprendizado dos alunos. Aumentar os gastos simplesmente aumenta a mobilização dos movimentos organizados da sociedade para capturar esses recursos. Além dos professores (que já conseguiram incluir suas demandas no próprio corpo da lei), as universidades e os funcionários das creches e das escolas vão fazer de tudo para capturar esses recursos. Mas, sem cobrança por resultados.
Além disso, várias pesquisas mostram que a abundância de recursos dificulta a aprovação de reformas que melhorem a eficiência do sistema. Um exemplo claro disso são os royalties do petróleo, que geraram receitas extraordinárias para vários municípios brasileiros, aumentaram os gastos com educação, mas não se refletiram em melhorias nos indicadores educacionais dos municípios beneficiados.
Uma das únicas notícias boas do PNE foi a estratégia incluída pelo Senado federal, que estabelece políticas de estímulo às escolas que melhorarem o desempenho no Ideb, "de modo a valorizar o mérito dos professores, diretores e funcionários". Ela foi incluída apesar da resistência dos movimentos corporativistas, que são contra a meritocracia. Essa cláusula abre espaço para que as transferências de recursos da União para os Estados e municípios dependam não somente de um suposto índice de Custo Aluno Qualidade, mas também da melhora das escolas no Ideb e de outros indicadores de efetividade. Essa será a única forma de fazer com que pelo menos uma parte dos recursos beneficie diretamente os alunos no curto prazo.
Naercio Menezes Filho, professor titular - Cátedra IFB e coordenador do Centro de Políticas Públicas do Insper, é professor associado da FEA-USP e escreve mensalmente às sextas-feiras. naercioamf@insper.edu.br
(Valor Econômico)
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18 de julho de 2014
O Plano Nacional de Educação, Naercio Menezes Filho
Postado por
jorge werthein
às
14:46
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