17 de julho de 2014

Cientistas pedem prisão para colegas envolvidos com fraudes em pesquisas

Diante dos riscos à saúde pública, cresce voz por punições mais duras para quem publica estudos falsos


A explosão no número de estudos que tiveram sua publicação removida dos anais da ciência faz crescer entre pesquisadores um movimento por punições mais severas. Como O GLOBO mostrou ontem, a multiplicação por dez do número de artigos que sofreram o chamado retract (espécie de "despublicação") em uma década supera muito o crescimento total de pesquisas, de 44%. Representantes da academia pedem mudanças nos critérios de avaliação e reforço nas análises de publicação, além da abertura de ações civis e criminais contra os fraudadores quando houver ameaça à saúde pública. O debate foi tema de artigos publicados ontem no "British Medical Journal".

Levantamento realizado em 2012 com todos os 2.074 estudos em ciências biomédicas removidos na base de dados PubMed mostrou que 67% foram foram "despublicados" por constatação de algum tipo de má conduta, incluindo fraude. Por isso, Zulfiqar Bhutta, do Hospital de Crianças de Toronto, no Canadá, pede a prisão de fraudadores. Um dos casos que ele cita é o do britânico Andrew Wakefield, que defendeu, sem amparo científico, uma associação entre a vacina tríplice viral (rubéola, caxumba e sarampo) e o autismo.

Publicado em 1998 na "Lancet", o estudo de Wakefield serviu de base para o crescimento de movimentos antivacina, que, desde então, foram responsáveis pelo aparecimento de surtos de doenças em países onde antes elas estavam praticamente erradicadas, como o próprio Reino Unido. Investigações posteriores provaram que Wakefield tinha sérios conflitos de interesse, tendo manipulado e falsificado dados. Ele teve sua licença do Conselho Médico Britânico cassada em 2010.

"Os danos à cobertura global de vacinação causados pelo fraudulento e desacreditado estudo de Wakefield são incalculáveis", comenta Bhutta. "Ainda assim, ele vive como um homem livre no Texas, levantando dinheiro de grupos de apoio".

Embora admita que algumas vezes seja difícil distinguir a má-fé de erros e má interpretação, Bhutta argumenta que o levantamento feito no PubMed demonstra que a fraude é prevalente e que, em casos comprovados, punições mais duras são necessárias.

"Aceito que existam diferentes níveis de má conduta, mas em casos de fraude deliberada provada por meio de uma investigação detalhada, freios adicionais através de medidas punitivas como processos criminais devem ser acrescentados ao repertório disponível".

Também escrevendo no BMJ, mas contra a criminalização das fraudes científicas, Julian Crane, da Universidade de Otago, na Nova Zelândia, acredita que esse tratamento pode trazer mais danos que benefícios para a ciência e a confiança da sociedade nela. Segundo ele, o problema não é tão grande nem tão significativo, tanto que, dos mais de 25 milhões de artigos no PubMed, apenas 1.371 foram removidos por fraude ou suspeita de fraude.

"Num mundo onde banqueiros, jornalistas, políticos, parlamentares e agências de segurança têm que responder por sua má conduta, a taxa entre os cientistas da saúde é pequena", avalia Crane. "Criminalizar a má conduta nas pesquisas é uma triste, má e até louca ideia que só vai minar ainda mais a confiança, um componente essencial na ciência".

Embora o tratamento penal das fraudes nas pesquisas ainda divida a comunidade científica, especialistas defendem que elas devem ao menos doer mais no bolso dos maus cientistas. Entre as medidas para isso, estão recuperação do dinheiro repassado para a realização dos estudos.

- Se alguém quiser mesmo fraudar um estudo, é muito difícil detectar isso com o processo de revisão e análise pelos pares - diz Adam Marcus, editor-executivo dos periódicos "Gastroenterology & Endoscopy News" e "Anesthesiology News" e um dos criadores do blog "Retraction Watch", que acompanha esses casos. - Recuperar os prejuízos causados deve ser uma prioridade das agências de fomento.

CNPQ NUNCA PEDIU DINHEIRO DE VOLTA
Paulo Beirão, diretor de Cooperação Institucional do CNPq, que até o ano passado chefiou a comissão de integridade científica do órgão, afirma que, em casos de fraude a agência buscará ressarcimento, mas até agora nenhum foi registrado no país.

- Aconteceu de um projeto ser aprovado e o dinheiro empenhado, mas, antes que fosse repassado, descobrimos o plágio, e os recursos foram cortados. Nunca tivemos que recuperar investimento - conta. - O CNPq não tem poder de polícia, mas, dependendo da gravidade do caso, podemos informar à Polícia Federal.

(Cesar Baima / O Globo)

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