6 de julho de 2014

Brasil deve ficar de fora de protocolo de biodiversidade


País não poderá participar da rodada de negociações de acordo da ONU
Sem ratificar acordo, Brasil não terá direito a voto em texto que trata da remuneração pelo uso de recursos naturais
GIULIANA MIRANDADE SÃO PAULO, Folha de S.Paulo, 6/7/2014
País com a maior biodiversidade do planeta, o Brasil deve ficar de fora da primeira rodada de negociações do acordo da ONU sobre distribuição e remuneração dos usos de recursos genéticos.
Apesar de ter sido um dos primeiros a assinar o documento e de ter tido um papel importante na sua criação, o Brasil ainda não ratificou o acordo no Congresso.
Sem isso, apesar de ser um dos maiores interessados no assunto, o país não poderá opinar na regulamentação do pacto, que deverá entrar em vigor em breve, segundo a ONU. Assim, o país pode ver a aprovação de normas que contrariem seus interesses.
Batizado de Protocolo de Nagoya, o acordo foi considerado histórico na sua criação, em outubro de 2010, na 10ª Convenção Mundial da Biodiversidade, no Japão. Ele é um tratado complementar ao acordo mundial da diversidade biológica, que existe desde a década de 1990.
O objetivo do documento é garantir a divisão justa e equitativa de benefícios --principalmente do dinheiro-- gerado pelo usos dos recursos genéticos e da biodiversidade.
Na prática, ele vai combater a biopirataria e tentar proteger o patrimônio biológico dos países, estabelecendo instrumentos --como a criação de royalties--para o uso da flora e da fauna locais.
Historicamente, nações pobres e comunidades tradicionais e indígenas pouco ou nada têm recebido pelo uso de seus recursos naturais pela indústria, sobretudo a farmacêutica e a agropecuária,
O Protocolo de Nagoya entrará em vigor após a ratificação por 50 países. Até a conclusão desta reportagem, a contagem oficial era de 44, mas um levantamento extraoficial da ONU indica que o número mínimo de 50 será atingido. Faltava apenas o envio da documentação e a comunicação oficial à organização.
Se as confirmações chegarem até esta segunda-feira (7), a primeira discussão sobre os parâmetros do protocolo poderá acontecer já em outubro, durante a próxima conferência mundial da biodiversidade, na Coreia do Sul.
Apesar de lamentar a provável ausência do Brasil nas discussões, o secretário-executivo da Convenção sobre Diversidade Biológica da ONU, Bráulio Dias, diz que a demora é compreensível.
"Um protocolo como esse de Nagoya mexe com os interesses de vários setores. Não é só da área ambiental, tem as indústrias, a ciência. Em alguns países, a aprovação é simples e rápida. O Brasil é um dos que têm o processo mais complexo", disse Dias, que é brasileiro, à Folha.
PARADO
A ratificação do Protocolo de Nagoya está parada há mais de um ano na Câmara. Em março do ano passado, foi determinada a criação de uma comissão para apreciar o assunto. Mas, até agora, ela ainda não saiu do papel.
O Ministério do Meio Ambiente não comenta as razões da demora, mas fontes ligadas à pasta confirmam que o maior motivo da morosidade é a oposição da bancada ruralista no Congresso, que afirma que a ratificação do acordo deve trazer prejuízo à agropecuária brasileira.
No mês passado, o governo apresentou ao Legislativo um projeto de lei que trata do acesso e da pesquisa do material genético brasileiro.
O texto, que tramita em regime de urgência, foi interpretado como parte da estratégia para agilizar a ratificação de Nagoya. Apesar de falar do material genético brasileiro, a proposta exclui do texto os alimentos.
"O projeto vai facilitar e incentivar o acesso à pesquisa, eliminando a necessidade de autorização prévia [que existe na atual legislação]", disse Roberto Cavalcanti, secretário de Biodiversidade e Florestas do ministério.
Na opinião do secretário da biodiversidade da ONU, o Brasil tem muito a ganhar com a ratificação.
"O Brasil é o país mais biodiverso do mundo. Está sentado nessa potencial mina de ouro da biodiversidade. Mundo a fora, os países estão discutindo como revitalizar suas economias. A biodiversidade é uma fonte imensa de possibilidades. E o Brasil se beneficia muito pouco de seus recursos das florestas. Há muito potencial", completou..

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