2 de julho de 2014

PIQUETES, PIKETTY E EDUCAÇÃO

SIDARTA RIBEIRO, neurobiólogo, diretor do Instituto do Cérebro
da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) e
professor titular da UFRN.

"Sonho com o magistério do século 21: não mais uma
profissão aviltada nas redes escolares municipais e
estaduais, mas uma carreira de estado valorizada."


Maio transcorreu com muitas greves. Junho, que apenas
começou enquanto escrevo, ninguém sabe como será.
Quando esta coluna estiver sendo lida, saberemos se o início
da Copa do Mundo foi festa, guerra ou ambas. O Movimento
dos Trabalhadores Sem Teto (MTST) é um exemplo de organização
social que cresce a olhos vistos por causa da lógica
perversa do capitalismo, tão bem resumida num refrão de
música que fez sucesso no ano 2000: “E o motivo todo mundo/
Já conhece/ É que o de cima sobe/ E o de baixo desce”.
A novidade que vem da França é a comprovação documental
e matemática desse truísmo. Em seu livro O capital no século
XXI, o economista Thomas Piketty demonstra exaustivamente
que nos últimos 250 anos, com exceção do período entre 1930
e 1975, a remuneração do capital na Europa e nos Estados Unidos
sempre aumentou mais do que o crescimento da economia
como um todo. Do alto da montanha de dados que corrobora
sua tese, Piketty atualiza Marx de forma constrangedora para
aqueles que defenderam, contra todo o bom senso, mas cheios
de lábia, que o enriquecimento de poucos eventualmente se
reverteria em benefícios para todos.
Não se reverte, muito ao contrário. Dinheiro chama dinheiro,
como sempre admitiram os entusiastas do mercado
de capitais. Isso permite que altos funcionários de empresas
privadas, bonificados nababescamente a cada ano, acabem
por se tornar eles mesmos donos de meios de produção,
amplificando o círculo vicioso da concentração de renda.
Taxação progressiva é a receita proposta por Piketty
para conter o crescimento dessa concentração, que ameaça
espiralar sem freio. Mas isso não basta. Sem fortalecer decisivamente
a formação de capital humano das classes sociais
mais baixas, seremos sempre reféns da minoria privilegiada
e avessa ao povo que chamamos de elite.
É por isso que me interessa o projeto de federalização
da educação apresentado pelo senador Cristovam Buarque,
para que as escolas brasileiras passem por uma profunda
revolução. Conforme proposto pelo senador à presidenta
Dilma em carta de julho de 2011, “tais escolas teriam seus
professores selecionados pelo governo federal, com carreira
nacional; com salários atraentes, com regime especial de
formação e exigências específicas de dedicação; os prédios
seriam reconstruídos e receberiam os mais modernos
equipamentos pedagógicos; todas as crianças teriam pelo
menos seis horas de atividade escolar por dia”.
A proposta de Cristovam para os professores da nova
escola é começar com salários da ordem de R$ 9 mil por
mês. Sem recrutarmos e premiarmos adequadamente os
melhores talentos para o magistério, nunca entraremos no
círculo virtuoso em que o desenvolvimento humano agrega
valor a produtos e serviços, que a seu turno realimentam o
desenvolvimento das pessoas.
Sonho com o magistério do século 21. Não mais uma
carreira aviltada nas redes escolares municipais e estaduais,
mas uma carreira de Estado verdadeiramente valorizada.
Não se trata de um desafio impossível para o Brasil, mas
de uma necessidade estratégica.

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