Nossa sociedade pode pagar um preço elevado caso "paz e segurança" fique fora de texto da ONU
Quando a ONU aprovou oito metas de desenvolvimento na virada do milênio, ninguém imaginou seu impacto no Brasil.
Esse acordo internacional deu a autoridades federais e estaduais de todos os partidos políticos um arcabouço comum para criar, medir, comparar, avaliar e comunicar ao público políticas inteligentes de inclusão social.
Como essas metas vencem no próximo ano, logo mais a Organização das Nações Unidas começa a definir suas substitutas.
A negociação será marcada pelo troca-troca típico de qualquer ambiente parlamentar, mas uma disputa já é certa: a decisão de incluir ou não as expressões "paz e segurança" e "acesso à justiça".
Quem defende a inclusão são os países desenvolvidos, enquanto a rejeição frontal fica por conta de Rússia e os países-membros da Liga Árabe.
Os africanos aceitam apenas em parte. Junto com Egito, Índia e o resto da América Latina, o Brasil trabalha para diluir o conteúdo das expressões ao longo do texto, sem dar-lhes o estatuto de objetivo formal.
Por quê?
O Brasil desconfia das intenções dos países ricos.
Teme que eles contabilizem o dinheiro investido em missões de paz e operações militares como se "ajuda para o desenvolvimento" fosse, um truque atrativo em tempos de contenção de gastos.
Teme ainda abrir uma brecha legal para que as grandes potências transfiram a agenda do desenvolvimento da alçada da Assembleia Geral, onde o Brasil tem influência, para o Conselho de Segurança, onde não tem.
A preocupação brasileira é legítima. No entanto, nossa sociedade pode pagar um preço elevado caso "paz e segurança" e "acesso à justiça" fiquem fora do texto final.
Isso ocorre porque os enormes avanços sociais dos últimos anos ainda esbarram numa realidade nefasta: temos taxas de homicídio típicas de uma nação em guerra, lideramos o ranking regional de mortes de jornalistas no exercício da profissão, nosso sistema prisional convive com a tortura e o abuso e o arbítrio das forças de segurança é exasperante a ponto de levar centenas de milhares de brasileiros à rua.
A distribuição desse horror é desigual, afetando a maioria pobre muito mais do que a minoria rica.
Assim como a chancela da ONU para "erradicação da pobreza", "acesso universal à educação" e "combate à mortalidade infantil" fez toda a diferença no ambiente de políticas públicas dos últimos quinze anos, "paz e segurança" e "acesso à justiça" dariam força a uma agenda urgente.
Sem essas expressões, ficará mais difícil o trabalho do próximo ocupante do Palácio do Planalto, seja Dilma ou a oposição.
Não se trata de seguir os países ricos a reboque nem de abdicar do esforço para impedir que o tema do desenvolvimento seja dominado pelos grandes.
Nos meses de negociação que vêm pela frente, haverá espaço para que a diplomacia brasileira encontre uma fórmula criativa capaz de alinhar suas prioridades geopolíticas às enormes necessidades internas.
Folha de S.Paulo, 9/7/2014
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