8 de julho de 2014

ANDRÉ STURM Cadê os cinemas?

O modelo criado pelo mercado para a digitalização pode eliminar a concorrência e os filmes independentes, fechando muitas salas pelo país

Um mês atrás, abri o "Guia da Folha" para ver as estreias: 12 novos filmes. Que bacana. Quanta diversidade! Mas será mesmo?
Fiquei espantado com o espaço --uma página inteira (!!)-- que ocupava a lista de salas que exibiam "A Culpa É das Estrelas". Fui verificar: 11 filmes novos ocupavam 36 salas, sendo que, em alguns casos, em apenas algumas das sessões. O megalançamento ocupava 114!!
Naquele dia, 150 salas exibiam estreias na cidade de São Paulo. De cada quatro, três tinham o mesmo filme em cartaz! Claro que muita gente quer ver esse filme. Mas faz sentido não ter opção? Um filme como "O Lobo Atrás da Porta" estreou em seis salas. Um suspense excelente, com elenco conhecido e enorme comunicação com o público. Mas quem conseguirá assistir? Se o filme tivesse mais espaço, poderia ter mais publicidade e, portanto, maior público, com certeza.
Na maior parte dos complexos de São Paulo no início de junho, tínhamos apenas quatro filmes em cartaz: a então estreia, "Malévola", "X-Men: Dias de um Futuro Esquecido" e "Godzilla". Dois meses antes, tivemos uma situação em que apenas três filmes ("Capitão América 2", "Noé" e "Rio 2") ocupavam mais de 2.000 salas do país, que tem 2.500 no total. Quem quisesse ir ao cinema, tinha duas opções: assistir a alguns desses três filmes ou não ir.
A concentração fica a cada dia mais acentuada com a digitalização das salas. Com o fim das cópias e do custo de copiagem, transporte e armazenagem, não haverá mais limites para o número de telas. Desde o ano passado, vínhamos alertando para esse problema. Em maio, a Ancine (Agência Nacional do Cinema) publicou uma nota e nomeou uma câmara técnica para discutir o tema.
O modelo criado pelos grandes agentes do mercado para a digitalização pode eliminar a concorrência, tirando de vez de cartaz filmes independentes e fechando muitas salas pelo país. É a cópia do modelo de digitalização que foi utilizado nos Estados Unidos. Aqui é o Brasil, com suas especificidades e características. O mercado cinematográfico, mesmo que concentrado, é muito mais diversificado.
Em São Paulo, ainda temos mais de 20 salas destinadas ao cinema não hollywoodiano. Filmes de várias origens estreiam no país. A produção nacional é grande e diversificada. A iniciativa da Ancine de colocar o tema na pauta é meritória, mas é importante que a sociedade esteja a par dessa situação.
Não se trata aqui de defender filmes, distribuidores ou interesses privados. Antes de mais nada, trata-se do interesse do consumidor.
Para fazer um paralelo, olhemos as praças de alimentação dos shoppings. Temos lá os tradicionais vendedores de hambúrguer. Sempre presentes. Mas você encontra um restaurante de comida árabe, outro de japonês, outro de chinês, de pizza, italiano, comida caseira, enfim, uma grande variedade. Aí você vai ao cinema e há apenas quatro filmes em cartaz. Faz sentido?
Adaptando o paradoxo Tostines: tem tanta cópia do mesmo filme porque tanta gente quer ver o mesmo filme, ou tanta gente vê o mesmo filme porque tem tanta cópia?

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