10 de agosto de 2014

ELIO GASPARI, As universidades estão fora da agenda


Os candidatos a presidente e aos governos de SP e do RJ repetem platitudes e fingem não olhar para o desastre
Em janeiro passado, o governo federal fechou a maior faculdade de medicina do país, a Gama Filho. Era uma catedral de mutretas, mas tinha 2.400 alunos que pagavam regularmente suas mensalidades e foram mandados para o inferno burocrático das transferências. Em abril, o reitor da Universidade de São Paulo, a maior e melhor do país, anunciou que em dois anos a instituição poderá esgotar suas reservas financeiras, pois em 24 meses comeu R$ 1,3 bilhão de um caixa de R$ 3,6 bilhões. Claro, os doutores gastam 105% do orçamento de R$ 4,5 bilhões para pagar a folha de pagamento. Até 2012 o atual reitor, Marco Antonio Zago, e seu antecessor, João Grandino Rodas, ganhavam acima do teto legal de R$ 18 mil mensais. Um, R$ 24 mil. O outro, R$ 23 mil.
Esses assuntos estão fora dos palanques. Se coisa parecida estivesse acontecendo no Uzbequistão, alguém estaria reclamando. Nos dois casos, a ruína foi construída ao longo dos anos. A fiscalização do Ministério da Educação sabia que a Gama Filho acabaria explodindo. Os doutores da USP sabiam que estavam arruinando as contas da Casa. Em janeiro de 2013, ela já gastava 93% do orçamento com a folha. Em julho passado, a conta chegou a 105%. Nas duas outras universidades do Estado, a Unicamp e a Unesp, a situação é parecida. Não se pode dizer que o governo de São Paulo lhes nega dinheiro, pois suas receitas estão fixadas na Constituição: para elas vai 9,57% da arrecadação do imposto de circulação de mercadorias que fica para o Estado. Num cálculo grosseiro, quem compra uma mercadoria de R$ 1.000 pinga uns R$ 13 na USP, Unesp e Unicamp.
Esse dispositivo sustenta a autonomia financeira das universidades, mas elas detonaram suas autonomias contábeis. Como o dinheiro é público, a cada estouro os hierarcas falam em austeridade, prometem cortes e obtêm greves. Há departamentos da USP nos quais, em 13 anos, aconteceram 12 greves. No ano passado, a reitoria esteve invadida durante 42 dias. As últimas greves parciais de USP, Unicamp e Unesp duraram mais de 70 dias. Na Unesp de Araraquara, 136 dias, sempre com a expectativa do pagamento dos dias parados. Se os recursos aumentam, a ciranda recomeça com mais expansões, contratações e gestão temerária.
No debate dessa questão superpõem-se conflituosamente diferentes visões da universidade. Admita-se que todos têm razão, ainda assim a aritmética prevalece. Briga-se por qualquer coisa. A família do banqueiro Pedro Conde deu R$ 1 milhão à Faculdade de Direito para a construção de um auditório que levaria seu nome. Envolvida em picuinhas e paixões políticas, a doação virou um litígio judicial. Bilionários brasileiros já deram mais de 100 milhões de dólares para universidades americanas, nenhum passou por esse tipo de constrangimento.
Panelinhas, inépcias e esbanjamentos fazem parte do cotidiano de todas as universidades do mundo. Elas se diferenciam na extensão dos danos que causam às instituições e na rede de cumplicidades e/ou tolerâncias em que se amparam. Uma piada preconceituosa contra mulheres disparou um processo que acabou no defenestramento do presidente de Harvard, em 2006. De lá para cá, pelo menos seis reitores foram mandados para casa.
Folha de S.paulo, 10/8/2014

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