9 de agosto de 2014

OSCAR VILHENA VIEIRA, Império da lei


Ao apoiar as novas metas de inclusão da ONU, o Brasil favorece o empoderamento de bilhões de indivíduos

EM 2000 a Assembleia Geral das Nações Unidas aprovou, por uma maioria de 191 Estados, as Metas de Desenvolvimento do Milênio (MDM). O documento sintetizou oito grandes objetivos, como erradicar a pobreza, universalizar o ensino básico, promover a igualdade de gênero, reduzir a mortalidade infantil e garantir a sustentabilidade ambiental, a serem alcançados até 2015, por intermédio de metas específicas e métricas de acompanhamento.
Muitos críticos, entre os quais este articulista, olharam com ceticismo para mais um documento diplomático recheado de boas intenções, mas destituído de força impositiva. O fato é que nos últimos 14 anos as MDM foram capazes de estabelecer um rumo para políticas públicas de desenvolvimento humano ao redor do mundo, assim como contribuir para a redução da pobreza pela metade e da mortalidade infantil em um terço, o que não é pouca coisa.
Neste momento as Nações Unidas estão debruçadas no processo de renovação das metas para os próximos 15 anos. Entre os novos objetivos propostos estão a redução da violência, o acesso universal à Justiça, a ampliação da transparência, o combate à corrupção, enfim, o fortalecimento do império da lei. Não se trata de um objetivo frívolo, pois estima-se que mais da metade da humanidade viva à margem da proteção do "Estado de Direito".
O Brasil, surpreendentemente, vem oferecendo resistência à inclusão dessas novas metas relacionadas à ideia de "Estado de Direito", fazendo a felicidade de países como a Rússia e China, além de outros Estados que veem com desconfiança a democracia e a gramática dos direitos humanos.
Se por muitas décadas o conceito de desenvolvimento foi confundido com o de crescimento econômico e mesmo industrialização, a partir dos anos 90 passou a incorporar os imperativos de sustentabilidade ambiental e de inclusão social. Isso ocorreu como decorrência de uma forte pressão e articulação dos países do sul, com especial participação da diplomacia brasileira.
O crescimento econômico e a redução da pobreza alcançada no Brasil e em diversas partes do mundo, nos últimos anos, assim como uma maior consciência ambiental, não podem satisfazer nossa ambição de desenvolvimento, especialmente na América Latina, onde estamos submetidos às maiores taxas de homicídios de todo o mundo, a altos índices de corrupção e enorme fragilidade institucional.
Hoje, portanto, é impossível desconsiderar a centralidade da noção de "Estado de Direito" como elemento constitutivo do processo de desenvolvimento. Não se pode confundir a visão de "Estado de Direito" postulada pelos neoliberais, como mero instrumento de proteção da propriedade ou do contrato, com uma noção mais ampla, que assegura a todas as pessoas a condição de verdadeiros sujeitos de direitos, portanto, de seres autônomos e emancipados do julgo e arbítrio dos poderosos.


Ao apoiar a inclusão de metas voltadas a reduzir a violência, ampliar o acesso à justiça, assegurar a igualdade de direitos, aumentar a transparência e o controle de corrupção, o Brasil não estaria se submetendo ao pensamento hegemônico do norte e sim favorecendo o empoderamento e a emancipação de bilhões de indivíduos que, tendo alçado ao status de consumidores nas últimas décadas, ainda estão longe da condição de verdadeiros cidadãos.
Folha de S.Paulo, 9/8/2014

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