17 de agosto de 2014

MARCELO GLEISER: Morrer para viver?


Questões existenciais sobre o valor da imortalidade serão experimentadas não apenas como especulações
Mortalidade: a bênção e a maldição da humanidade. Por sermos capazes de entender a passagem do tempo, de entender que um dia não estaremos mais aqui, e que os que amamos também não estarão, buscamos, desde os primórdios, alguma resposta para esse grande mistério. Por que morremos?
O oposto da morte, a imortalidade, a possibilidade de vivermos para sempre, é também inaceitável para muitos. Se somos imortais, qual o sentido da existência? Tudo o que fazemos está tão vinculado à certeza da morte que perdê-la acarretaria uma profunda mudança da nossa psique. A imortalidade seria profundamente entediante, visto que a passagem do tempo deixaria de ter importância. Um ser imortal seria uma exceção ao que ocorre no mundo, imutável enquanto cercado de transformações, existindo fora do tempo ao contrário de todo o resto.
Do ponto de vista científico, já estendemos nossas vidas. Na Idade Média, a expectativa de vida na Europa não passava dos 30. Mesmo no início do século 20, era de apenas 31 anos. Em 2010, a média global subiu para 67,2 anos e continua crescendo. Os números baixos até 100 anos atrás são expressão da alta taxa de mortalidade na infância. Quando o indivíduo passa dos 10 anos, sua expectativa de vida aumenta. Em 1730, na Inglaterra, 74% das crianças morriam antes dos cinco anos. Esse é um dos melhores argumentos em favor da ciência.
Se pudéssemos estender a vida indefinidamente (salvo morte acidental), será que deveríamos fazê-lo? No livro "Morte e o Após Morte", o filósofo americano Samuel Scheffler diz que um ser imortal perderia a noção do trágico e do sublime e que, com isso, perderia o sentido da vida. Já Thomas Nagel, colega de Scheffler na Universidade de Nova York, discorda: "Por que não considerar que uma vida sem fim não seria uma busca sem fim, descobertas em sucessão, incluindo sucessos e fracassos? Humanos são altamente adaptáveis e desenvolveram muitas formas de se adaptar a mudanças materiais no decorrer da história. Não estou convencido de que o papel da mortalidade em definir nossas vidas implica que a imortalidade não seria algo aceitável".
Será que a imortalidade é viável cientificamente? Não sabemos, embora hoje existam pesquisas sérias que veem o envelhecimento como uma doença que, em princípio, é tratável. Não falo da clonagem de humanos, assunto envolto em discussões éticas complexas, mas de como células envelhecem, doenças como o câncer aparecem, e como o processo pode ser impedido.
Seria necessária uma interferência direta no genoma ou, numa abordagem menos radical, a clonagem de órgãos específicos a partir de células tronco do próprio paciente. Também é possível que biocircuitos construídos com DNA e proteínas especiais possam ser injetados no paciente e reparar (ou matar) células com mutações capazes de causar o câncer ou o envelhecimento.
Parece que esse será o caminho do futuro. Questões existenciais sobre o valor da imortalidade serão experimentadas, não serão apenas objetos de especulação. Uma raça de semi-imortais teria motivação de sobra para preservar o planeta. Afinal, sem a Terra, os semi-imortais não teriam qualquer chance.

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