22 de agosto de 2014

JERONIMO MOSCARDO , A vez da cultura


Não teria chegado a hora de pensar seriamente na formulação de um projeto cultural e civilizatório para o Brasil e a América Latina?

Há 40 anos, quando iniciei minha participação nos trabalhos da então Alalc (Associação Latino-Americana de Livre-Comércio), como secretário da delegação do Brasil, pude observar um entusiasmo integracionista somente entre técnicos internacionais e os membros de algumas delegações.
Hoje, o panorama é muito distinto. Os governos parecem empenhados e profundamente comprometidos no trabalho integracionista, dispondo de calendário e data para a culminação do processo. Mas não vislumbro, não vejo, nem percebo entusiasmo pela integração por parte de nossos povos, de nossa cidadania, de homens e mulheres, em Montevidéu, em Brasília ou São Paulo ou Rio de Janeiro, em Buenos Aires ou em Assunção.
A que atribuir essa falta de entusiasmo? Em certos países ou regiões há, o que é pior, temor ou até pânico em relação aos compromissos integracionistas.
Fala-se da necessidade de mercado, e não de nações, de consumidores, e não de cidadãos. As preocupações, até o presente, têm sido estratégico-militares e econômicas. O homem tem sido visto somente como soldado ou como diplomata na área clássica da guerra e da paz, ou como consumidor de produtos e serviços na esfera da economia.
Se é assim no âmbito de cada nação, com muito mais razão verificamos no terreno da integração dos países. O exemplo mais acabado da integração na Europa ocidental não é mais que aparência.
Não podemos deixar de reconhecer que as motivações mais profundas da Comunidade Europeia do Carvão e do Aço, no princípio da segunda metade do século passado e ao finalizar a Segunda Guerra Mundial, foram conter a possibilidade de, uma vez mais, afirmar-se uma Alemanha poderosamente solitária.
E o que temos como realidade hoje, mais de 50 anos depois? Uma Alemanha reunificada e que constitui o centro vital e influente do organismo integrado europeu.
O insucesso da integração europeia foi reconhecido por um dos pais fundadores da Comunidade Europeia do Carvão e do Aço: Jean Monnet (1888-1979). No final dos seus dias, Monnet lamentava o fato de haver a União Europeia começado pela Comunidade Europeia do Carvão e do Aço. Ele afirmava então: "Se tivesse que começar de novo a construção europeia, o ponto de partida seria a cultura".
Com isso, não teria chegado a hora de pensar seriamente na formulação de um projeto cultural e civilizatório para o Brasil e a América Latina? Dir-se-ia tratar de utopia diante do descaso com que as burocracias vêm abordando a cultura no Brasil. Ainda assim, há razões de otimismo, se levarmos em consideração alguns episódios de nossa história recente. Senão vejamos:
1) A "refundação" da Academia Brasileira de Letras --em pleno regime militar-- sob a liderança de Austregésilo de Athayde, que obteve sustentação material e autonomia financeira para a instituição, transformando-a em um verdadeiro parlamento cultural nacional;
2) A criação de mecanismo de fomento do audiovisual durante o governo Itamar Franco, com o decreto nº 974, de 8 de novembro de 1993. A assinatura desse decreto foi obtida junto ao presidente Itamar por intermédio de uma ampla mobilização de cineastas e intelectuais sob a liderança de Luiz Carlos Barreto;
3) Quanto ao projeto de fazer da cultura um vetor no processo de desenvolvimento do Brasil, caberia evocar o testemunho de Renato Janine Ribeiro (revista "Bravo", fevereiro de 2003): "Quando um ministro da Cultura --Jeronimo Moscardo, no governo Itamar Franco-- afirmou o caráter essencial da cultura, e propôs que 5% do Orçamento da União lhe fossem destinados, cem vezes mais do que os 0,05% da época, ninguém lhe deu importância, e ele foi ejetado do cargo sob pressão daqueles que logo fariam o Plano Real".
Os economistas contribuíram, positivamente, para a realização do projeto Brasil com o Plano Real, do presidente Itamar Franco. No momento, assistimos ao esgotamento dessa receita. As novas circunstâncias pedem visão de futuro.
Será que nossos intelectuais têm algo a contribuir para que o Brasil volte, realmente, a fazer história, ou lhe estaria reservado o papel de imenso mercado e enorme marginalidade geográfica?

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