24 de agosto de 2014

Escolas tentam restringir uso de aplicativo que espalha 'segredos'

Instalado em celulares, Secret permite compartilhamento de fotos e textos de forma anônima

Aluna do Dante saiu do colégio após ter fotos íntimas divulgadas; Bandeirantes vetou acesso ao dispositivo
THAIS BILENKYDE SÃO PAULO
Escolas particulares de São Paulo tiveram de reagir às pressas à invasão de uma rede social que preserva o anonimato do usuário, o Secret ("segredo" em inglês).
Pelo aplicativo para smartphones, o internauta pode compartilhar fotos e mensagens de texto com seus amigos sem se identificar.
Adolescentes aproveitam a deixa para constranger colegas. Conteúdos que antes circulavam por WhatsApp (aplicativo de mensagens instantâneas) agora caem na rede.
No colégio Santa Cruz, em Alto de Pinheiros, uma professora foi xingada pelo aplicativo. A foto de um estudante nu foi publicada acompanhada de palavrões.
A escola decidiu alertar os alunos sobre os danos que atitudes como aquelas causam na vida da vítima e na do autor. No nono ano, estudantes fizeram uma votação simbólica sobre a "legalidade" do Secret. Decidiram que deveria ser excluído.
A polêmica chegou aos tribunais. Na terça-feira (19), a Justiça do Espírito Santo, em decisão liminar (provisória), mandou Google e Apple suspenderem em dez dias a venda do Secret e o removerem remotamente dos aparelhos em que está instalado. Até a conclusão desta edição, só a Apple havia acatado a ordem.
Tarde demais para conter o dano causado pelo uso do aplicativo no colégio Dante Alighieri, no Jardim Paulista. Nesta semana, uma estudante do primeiro ano do ensino médio cancelou sua matrícula após ter imagens íntimas com o namorado divulgadas na rede, acompanhadas de comentários desrespeitosos.
Após o episódio, a adolescente teve uma crise nervosa em sala de aula e foi levada em cadeira de rodas ao hospital. Colegas especularam se ela teria usado drogas, o que seus pais desmentiram com exames. Procurado, o Dante não se pronunciou.
Fotos da aluna circularam em diversas outra escolas, como o Bandeirantes, na Vila Mariana. Ali, a direção do colégio bloqueou o acesso ao Secret pela rede wi-fi local.
Cristiana Assumpção, coordenadora de tecnologia educacional, pediu que professores e uma advogada falassem aos alunos sobre os riscos que eles correm --inclusive de se verem envolvidos com pornografia infantil e processos por calúnia, injúria e difamação. A escola também alertou a Apple sobre a confusão.
Lançado nos Estados Unidos em fevereiro, o Secret chegou ao Brasil três meses depois. Segundo os fundadores, o objetivo era criar uma rede de autoajuda, em que as pessoas pudessem pedir conselhos sem ter que se expor.
    Folha de S.Paulo,24/8/2014

Pais registraram boletim de ocorrência

Adolescente de 13 anos apareceu seminua em foto montada; 'não falo com mais ninguém da sala', afirma ela
Escola chamou uma advogada; uso do aplicativo 'ficou muito pesado', comenta um estudante de 12 anos
DE SÃO PAULONa sexta-feira 8 de agosto à noite, Mariana (nome fictício), 13, estava em casa com os pais quando apitou seu celular. Uma amiga dizia que ela precisava desmentir uma suposta foto sua seminua que circulava no Secret.
"Comecei a chorar e a gritar. Não era eu, era uma montagem. Minha mãe não deixa eu usar calcinha vermelha [a menina da foto usava]. Colocaram meu rosto no corpo de outra pessoa. Fiquei desesperada", lembra a estudante.
Em outros posts, ela e a amiga Laura (nome fictício), 14, eram alvo de apostas: "O que vocês acham das bests' ["best friends", melhores amigas em inglês]?; "Mais 50 curtidas e posto outra foto".
Os pais das meninas, que pedem que elas não sejam identificadas, fizeram boletim de ocorrência. "Me excluí da vida. Não falo mais com ninguém da sala", diz Mariana, que estuda na escola Miranda (zona oeste). Ela faltou a aulas devido ao episódio.
"As pessoas olham como se fosse de verdade [a imagem]. Alguns amigos defenderam a gente, mas muitos falam mal", diz Laura.
Sua mãe elogia a reação da escola: "Levaram uma advogada linha dura que disse que os pais de alunos que cometessem crimes contra a honra poderiam até ter de vender a casa para pagar multa".
As famílias acompanham o desenrolar do caso para decidir se acionarão a Justiça. Para a advogada de uma delas, Cristina Sleiman, "o aplicativo não pode ser responsabilizado por ações de terceiros", a menos que não atenda algumas regras.
Entre elas, manter dados que permitam a "identificação de autor de ato ilícito" ou ter meios para eliminar "conteúdos ilícitos ou que exponham intimidade".
INAPROPRIADO
"Baixei o aplicativo há uma semana. Só fico lendo e de vez em quando faço comentários", afirma um aluno de 12 anos do Santa Cruz. Sua turma costuma publicar textos de cunho erótico. No início, alguém dizia estar interessado numa menina. Amigos comentavam coisas como: "Impossível gostar dela!".
Em poucos dias, as publicações perderam a inocência. "[Os posts têm] tipo imagens de uma menina fazendo coisa errada. Sexo, vai. Aí os outros vão e xingam", relata o garoto. Ele diz ter tirado o aplicativo do celular. "Ficou muito pesado."
"Tem coisas fofas também, como alguém que postou que tinha doado sangue. Mas, se não tem maldade, não tem que ser anônimo", opina outra aluna do Santa Cruz, de 14 anos. A orientadora debateu o Secret com os estudantes. "Ela estava muito brava. Dizia que era caso de reformatório", relata a garota.
Em nota, a escola afirmou que tiveram "ótima receptividade" as conversas com alunos do 8º e do 9º anos do ensino fundamental.
"Sabemos, contudo, que nosso trabalho não cessa: novos comportamentos de exposição e risco surgirão e a escola precisará atuar novamente para ajudá-los a reavaliar suas ações", diz o texto.
Com preocupação semelhante, há alguns anos, o Bandeirantes incluiu a disciplina ética e cidadania digital no currículo.

Uso de celular por adultos em classe irrita professores

Mania de trocar mensagens e fazer fotos antes associada a adolescentes se dissemina em cursos para maiores
Para docentes, costume reduz concentração e incomoda; em aula de desenho, aparelhos são barrados na entrada
DE SÃO PAULOA mania de usar o telefone celular em sala de aula pegou também entre adultos. O hábito antes adolescente de trocar mensagens, fazer fotos, vídeos e até ligações em horário letivo está irritando professores acostumados com uma conduta que consideravam mais madura dos alunos.
Em aulas de modelo vivo nu, o artista plástico e professor de desenho Paulo von Poser, 53, veta fotografias. Faz um "estacionamento" de telefones na entrada da sala.
"É uma solução bizarra, mas, depois que um aluno, não resistindo à tentação, quase apanhou da modelo, achei melhor garantir certa civilidade", conta.
"O máximo são alunos que tentam desenhar falando no celular pressionando-o entre o ombro e a orelha! Aviso na hora: torcicolo e desenho torto garantidos." É comum estudantes fotografarem monumentos na rua para desenhá-los com base na imagem do do celular, em vez de se basearem na observação direta.
O professor de história da Unicamp Leandro Karnal, 51, resolveu fazer o que chamou de "atividade educativa" na pós-graduação.
"Pela primeira vez na vida, deixei o celular ligado em sala. Didaticamente e teatralmente, passei a aula checando o aparelho e fingia interromper frases para atender ligações. Ao final, sorridente e prestes a dar uma lição, perguntei se haviam notado. Ninguém percebeu."
Professor há 32 anos, ele conta: "Acompanhei a lenta e inexorável marcha do celular. Provavelmente, quando as pessoas da minha geração morrerem, terminará a ideia de que celular incomoda."
Noemi Jaffe, 52, professora de literatura e escrita, acredita que, "de certa forma, é como se os adultos voltassem à adolescência, pois as redes sociais têm uma carga de infantilização e isso reduz a capacidade de concentração".
Em seu curso de escrita criativa, alunos interromperam a aula para avisar que um colega mandou um Whatsapp dizendo que não viria.
"Também usamos o celular para consultar dicionários, buscar bibliografias e autores. Só ajuda", opina o advogado Eduardo Muylaert, aluno de Jaffe. Se for preciso, ele resolve urgências do trabalho.
Muylaert tem por hábito postar fotos do curso nas redes sociais e os colegas comentam --tudo em tempo real. "Há uma urgência em tirar foto de tudo o que se passa na aula", constata Noemi.
Karnal relata que o toque "distrai e perturba". "Pior é quando toca e a pessoa conversa baixinho. Ou quando sai e atende na porta, fazendo da minha sala uma caixa de ressonância", lamenta.
CONECTADO
O empresário Bruno Rondani começou o doutorado em 2008, aos 27, quando tinha dois filhos e esperava o terceiro. Quatro anos depois, já com quatro filhos, defendeu sua tese e foi direto para a maternidade: nascia o quinto.
Foi inevitável assistir às aulas conectado. O combinado era que sua mulher só o acionaria em casos de urgência. Mas os filhos sempre mandavam mensagens e fotos. "Sou viciado no celular. Mas não acho que prejudicou meu desempenho."
Adriana Rossatti, 37, aluna de Noemi Jaffe, diz que o aparelho evita burburinhos em sala. "Quando a gente era criança, passava bilhetinho. A gente continua fazendo comentários como Fulano está nervoso hoje, não?', mas em silêncio pelo Whatsapp", diverte-se. Poser resigna-se: "Acredito que é inevitável. Logo mais teremos pranchetas tablets".

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