10 de agosto de 2014

Reação de alunos faz professores pararem com piadas de cursinho

Estudantes consideram brincadeiras machistas e homofóbicas; pais cobram explicações
Professores dizem que são mal interpretados e que as aulas perdem a descontração; direção dos cursos pede cautela
THAIS BILENKYDE SÃO PAULO, Folha de S.Paulo, 10/8/2014

"O movimento feminista mais importante na história é o movimento dos quadris." "Mulher é como filme: só se revela no escuro." Piadas típicas de cursinho pré-vestibular como essas correm risco de extinção.
As direções de instituições preparatórias frequentadas pela classe média alta paulistana têm orientado os professores a suspender comentários jocosos no intuito de evitar ameaças judiciais.
Alunos e especialmente alunas têm reclamado do que consideram machismo, homofobia e racismo aos pais, que cobram explicações.
Em sala, estudantes gritam, choram, cobrem seus rostos com a apostila, retiram-se e até despem-se --segundo relatos de professores à Folha, uma menina ficou de sutiã em protesto duas vezes no ano passado no Intergraus de Pinheiros.
Nos corredores, afirmam que "o mundo é sofrido demais para tais brincadeiras".
CHATO
"Virei chato. Não faço mais brincadeiras. Minhas aulas estão terminando mais cedo. Vou passar exercícios a mais", afirma um professor do Intergraus que não quis ser identificado.
Piadas as mais chulas e até as mais inócuas geram controvérsia. Um professor lembra quando uma aluna saiu gritando "machista!" ao ouvi-lo dizer que não gostava de lojas de bijuterias.
Colega do Anglo conta que é brincadeira entre os meninos chamar os professores de "bicha" e "veado". No início de 2014, ele passou de sala em sala para informar: "Se eu for conivente, como sempre fui, estarei permitindo que vocês usem a palavra gay com sentido pejorativo. E não tem. Não permito mais".
Para ele, o tema é tabu. "Entre 80 pessoas entenderem que é brincadeira e 20 acharem que você está incentivando alguma coisa, é melhor não fazer piada. O incrível é que, dez anos atrás, você podia contar piada de preto, de português. Ao mesmo tempo, era inimaginável ter dois meninos se beijando no cursinho como temos agora."
LUTA
"Eu, três meninas e um menino saímos da sala quando o professor falou que, se quiser comer' a empregada, o cara tem que levá-la ao Habib's. Ele sempre fala que pobre adora Habib's", conta Julia Castro, 19, aluna do Anglo de Higienópolis. "Essas brincadeiras reforçam o preconceito. Nossa luta já é difícil."
Adolpho Mayer, 18, disse que se indignou. "Isso é discriminação de classe. As pessoas riem, mas você tem que interpretar [o riso]: elas ficam nervosas". Ao final da aula, ele foi falar com o professor.
Uma amiga e xará de Julia, que pediu para não ter o sobrenome publicado, conta que reclamou para o coordenador sobre um professor que, segundo ela, foi omisso quando meninos cantaram uma música de baixo calão para uma garota. "Quem silencia concorda." "Aqui só tem riquinhas: elas deveriam reagir mais", critica.
No aniversário de uma estudante no ano passado, meninos sortearam quem a beijaria. A aniversariante não consentiu, mas disse às amigas que foi obrigada pelo professor a ceder.
O professor, na condição de anonimato, admite que entrou na brincadeira: "Falei quem vai ser o felizardo?' Mas outra estudante protestou: Mulher não é objeto para ser sorteada'. Eu então pedi desculpas e passei a repudiar a brincadeira".
Jorge Ovando, gerente de marketing do Intergraus, afirma que as queixas, em geral, são fruto de má compreensão. "A instrução é não brincar." Luís Ricardo Arruda, coordenador-geral do Anglo, conta que a recomendação é tratar os alunos "com respeito". "As piadas têm que ser adaptadas a seu tempo."

Para aluna, humor que oprime não merece riso

Professores querem ter direito de ofender, diz
THAIS BILENKYDE SÃO PAULOA estudante Clara, 18, fez Intergraus em 2013 e hoje cursa arquitetura na USP.
Para ela, "o humor que oprime alguém para ser engraçado não merece a risada de quem assiste à aula".
"Não digo que não se deve fazer piadas. Mas que estas sejam inteligentes o suficiente para tirar sarro do opressor, e não do oprimido", afirma a estudante.
"As brincadeiras chegam ao extremo de dizer que as índias brasileiras se encantaram com a pele clara dos portugueses, não que foram estupradas. Ou que no Brasil o gado é criado extensivamente, mas a preferência nacional é pela vaca malhada."
Ana Luiza Cunha, 25, está no terceiro ano de medicina na USP e aderiu ao Coletivo Feminista Geni na faculdade depois de suas passagens pelo Intergraus, em 2007 e 2011.
"Os professores fazem piada com o aluno que se sente ofendido. É a patrulha do politicamente incorreto, tipo: Estão oprimindo o meu direito de ofender'", afirma.
O grupo feminista foi criado como "resposta à violência que ocorre nos ambientes universitários", segundo informa a página no Facebook.
Ana Luiza afirma se considerar politicamente correta.
"Sou dessas pessoas que não veem graça em piada de estupro, racismo. Sou chamada de chata", conta a estudante.

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