Literatura é um processo intelectual no qual o criador é também resultado da obra de muitos artistas
O grande escritor cubano Alejo Carpentier recomendava aos colegas que nunca revelassem a identidade de seus mestres literários.
O ato de reconhecer influências e magistérios poderia, em muitos casos, desvelar as chaves do trabalho realizado, e o sábio e sagaz Carpentier era partidário de não exibir voluntariamente essas aprendizagens às vezes difíceis de rastrear.
Mas a literatura é um processo intelectual no qual o criador é também resultado da obra de muitos artistas que em seu momento lutaram com as mesmas dificuldades e incertezas que costumam acossar os que trabalham nessa disciplina.
Antes e depois de ler o conselho de Carpentier, nunca tive o menor pudor de revelar as fontes de meus aprendizados.
Pelo contrário: considero que isso seja um ato de honestidade, gratidão e justiça para com os escritores que me antecederam e sem cujas obras minha vida nunca teria existido --pelo menos do mesmo modo.
Como escritor, sou devedor de tantos autores que enumerá-los me custaria todo o espaço desta crônica. Com o que cada um deles me aportou, realizei um aprendizado e uma assimilação que, com o esforço necessário, se foram convertendo em expressão individual, o que é a tarefa do escritor verdadeiro.
Pois, um escritor cubano contemporâneo poderia não reconhecer qualquer dívida para com a obra de Carpentier? Ou com o emprego da linguagem oral cubana patenteado por Guillermo Cabrera Infante?
Sempre reconheço que aprendi a escrever diálogos com Hemingway, que assumi o risco da criação de estruturas dramáticas "em catedral" estudando a maestria construtiva de Mario Vargas Llosa; que a visão do policial como romance social que me foi propiciada por Manuel Vázquez Montalbán, Raymond Chandler e Rubem Fonseca foi decisiva para o meu conceito de gênero; que a relação entre os indivíduos e a história que busquei expressar se deve aos mestres russos; que na concepção de argumentos assimilei algo do que sei de John Updike, J. D. Salinger e Carson McCullers; que assumi o desafio da adjetivação por conta das leituras de García Márquez; que bebi de Sartre e Camus quanto à responsabilidade social do escritor.
E o fato é que cada um desses escritores teve, por sua vez, mestres influentes, que por via transitiva (ou ocasionalmente direta) também são meus mestres, em uma cadeia de assimilação de experiências que pode nos levar aos tempos renascentistas de recuperação da grande cultura grega: e com isso veremos que somos todos alunos de Sófocles e Eurípedes (como o foi Shakespeare, o gênio máximo), e que eles certamente também foram alunos, de mestres perdidos que remontam aos tempos dos aedos narradores de histórias épicas.
Talvez tenha sido desses bardos errantes, no final do caminho da literatura ocidental, que aprendi a expressar algumas das inquietudes da condição humana que, desde sempre, e a nosso modo, temos tentado expressar como escritores.
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