15/08/2014 02h00
Eduardo Campos tem fama de bom gestor. Habitualmente, esta é uma reputação associada à frieza e ao poder autônomo dos números e das técnicas.
No caso dele, entretanto, a capacidade gerencial somou-se à formação humanista e permitiu inovar e obter resultados consideráveis no enfrentamento do mais grave e difícil problema brasileiro: a violência. É um tema que desperta os piores sentimentos nas pessoas (medo, ódio, vingança) e que abre caminho, na esfera pública, à demagogia, à simplificação e, sobretudo, à ideia de que a força e a coragem do governante e de seu corpo armado são suficientes para dar segurança ao cidadão.
O fator decisivo de qualquer política pública são os valores e os princípios em que ela se apoia. Campos recusou o caminho fácil (e ineficiente) da repressão indiscriminada e pautou a política de segurança pública pelo respeito aos direitos humanos e pela ampla participação social em sua elaboração e execução.
As organizações responsáveis pelo combate ao crime são sempre portadoras de uma cultura. Em Pernambuco, foi levado adiante um extraordinário trabalho educativo para que a repressão fosse qualificada, não provocasse mortes e rompesse com a prática secular de criminalização da pobreza, como explica José Luiz Ratton, pesquisador sobre o tema e professor da Universidade Federal de Pernambuco, convocado por Campos para elaborar o programa de segurança pública do governo do Estado.
Para isso, para superar a cultura da repressão indiscriminada, foi necessário, claro, ampliar o uso da inteligência, da informação e da tecnologia. E o envolvimento pessoal e direto do governador com a execução da política é uma de suas peças mais importantes. É sob o seu comando que foram realizadas 14 conferências regionais de segurança pública, tanto na capital como no interior do Estado, que envolveram mais de 4.000 mil pessoas e que permitiram conhecer melhor as raízes da violência e, ao mesmo tempo, mobilizar os mais diversos atores no seu combate. Dentro da própria polícia, houve mecanismos financeiros de incentivo ligados à redução da violência, e não ao aumento da repressão.
É importante mencionar também a habilidade de Campos no combate à corrupção policial. Não são poucos os casos em que governos estaduais são complacentes com a relação promíscua entre polícia e crime. Enfrentar esse câncer e, ao mesmo tempo, difundir uma cultura de respeito à cidadania como base da atividade policial supõem, mais que eficiência, algo essencial e raro na política e do qual Campos era dotado: carisma.
Os resultados não são espetaculares, pois não se trata de um tema a ser resolvido por uma canetada ou um golpe de força. Mas, entre 2008 e 2011, as mortes por agressão no Brasil aumentaram de 50.113 para 52.198, segundo dados do Sistema Nacional de Estatística em Segurança Pública e Justiça Criminal. Em Pernambuco, caíram de 4.431 para 3.464. Um número elevadíssimo, mas que se contrapõe à explosão generalizada da violência, sobretudo nos Estados mais pobres do país.
A geneticista Mayana Zatz tuitou que Eduardo Campos foi um excelente ministro da Ciência e Tecnologia, tendo apoiado as pesquisas com células-tronco embrionárias. É mais uma demonstração do valor fundamental que norteou a trajetória de Campos e que deve inspirar todos os brasileiros: o respeito pelos direitos das pessoas, pela vida. Ele nos pediria, certamente, a capacidade de transformar a tristeza e a perplexidade que tomam conta do Brasil agora em capacidade de lutar pela vida.
RICARDO ABRAMOVAY, 61, é professor titular do Departamento de Economia da Universidade de São Paulo e coautor de "Lixo Zero" (ed. Planeta Sustentável/Abril)
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