29 de março de 2011

Crise, que crise?:cientistas e jornalistas

Crise, que crise?: "
Os jornalistas de ciência britânicos estão perdendo poder para as assessorias de imprensa e profissionais de relações públicas. O motivo: muito trabalho. Essa é uma das conclusões da pesquisa conduzida por Andy Williams, da Universidade de Cardiff, no Reino Unido. O professor de jornalismo apresentou na semana passada (23/3) o estudo em seminário na London School of Economics, em Londres.

Os resultados se baseiam em 42 questionários on-line respondidos por jornalistas científicos de jornais e canais de televisão do Reino Unido, 47 entrevistas com jornalistas especializados em ciência, saúde e meio ambiente e cinco entrevistas com editores da BBC News, ITN e The Times.

De acordo com a pesquisa, o número de jornalistas especializados em ciência (incluindo saúde e meio ambiente) em jornais e televisão no Reino Unido aumentou entre os anos 1990 e 2005, quando cortes nas redações fizeram o número baixar novamente – o estudo foi feito em 2009, portanto, não inclui mudanças mais recentes.

Porém, esses profissionais trabalham cada vez mais: 88% dos entrevistados acreditam que seu volume de trabalho é maior hoje do que há cinco anos. Em outras palavras, precisam escrever mais matérias por dia e também produzir conteúdo para outras plataformas, como a internet.


A pressão por uma quantidade maior de matérias leva ao “jornalismo passivo”

A pressão por uma quantidade maior de matérias leva ao que Williams chama de “jornalismo passivo”: com menos tempo para buscar pautas originais, os repórteres se apoiam cada vez mais em releases – textos produzidos por assessorias de imprensa –, na cobertura de eventos e em artigos científicos publicados nos periódicos de prestígio.

O ritmo de produção imposto também obriga os jornalistas a confiar nas informações que recebem das assessorias de imprensa. Dos jornalistas ouvidos, 46% disseram que hoje têm menos tempo para checar dados do que há cinco anos e 61% consideram que não têm disponibilidade para checar e confirmar informações da maneira adequada.

“Ou seja, mais da metade dos jornalistas acha que não tem condições de fazer seu trabalho direito”, sintetiza Williams.



Perda de controle


Ainda que as informações dos releases estejam corretas e a assessoria de imprensa seja competente e tenha credibilidade, o jornalista, ao basear sua cobertura no material que recebe, estaria transferindo para a estrutura de relações públicas o poder de definir a pauta do veículo para o qual trabalha e a informação relevante para o seu público leitor.

“O papel do jornalismo científico, de traduzir e tornar acessível os temas científicos, está saindo das mãos dos jornalistas e indo para as mãos das suas fontes – as assessorias de imprensa das universidades, ONGs, empresas e órgãos governamentais”, diz Williams. “Os veículos de comunicação estão apenas divulgando o conteúdo oferecido por essas fontes, o que enfraquece o jornalismo em geral.”

O resultado é que todos os veículos publicam as mesmas notícias, a maioria originada de releases

Ao ser contestado por parte do público do seminário, Williams replicou: “Não que as assessorias de imprensa tenham o poder de se impor sobre os jornalistas, mas elas estão se aproveitando de uma fraqueza do jornalismo atual.”

Outro ponto fraco apontado pela pesquisa é a homogeneização da cobertura de ciência nos veículos de imprensa. “Em algumas editorias, a principal preocupação é não deixar passar algo que tenha sido coberto pelos concorrentes,” explicou Williams. “O resultado é que todos os veículos publicam as mesmas notícias, a maioria originada de releases.”



Do gatekeeper ao filtro de porcarias


Uma função extra e relativamente nova que contribui para o aumento do volume de trabalho do jornalista é a de “filtro de porcarias” – como definiu Williams. De acordo com entrevistados, uma parte significativa de seu dia é dedicada a ler centenas de mensagens eletrônicas, releases e material de agências de notícias, a maioria inútil.

“Em muitos casos, essa avalanche nem é de artigos científicos, mas publicidade disfarçada de release,” observou um dos jornalistas que participou do estudo – que não teve seu nome divulgado. “Os veículos acabam funcionando como filtros e agregadores de conteúdo.”

Na avaliação de Williams, as mudanças identificadas na pesquisa não são exclusivas das editorias de ciência, mas fazem parte de um contexto mais amplo de mudanças no jornalismo mundial.

Jornalismo científico
Colagem de capa do estudo sobre jornalismo científico no Reino Unido conduzido por Andy Williams, da Universidade de Cardiff, e baseado em questionários 'on-line' e entrevistas com jornalistas e editores britânicos. (foto: reprodução)


“Apesar de tudo, a situação do jornalismo científico aqui não é de forma alguma tão ruim quanto nos Estados Unidos,” observa o pesquisador. Segundo ele, o número de jornais com seções específicas de ciência caiu de 95 para 34 entre 1989 e 2001 no país e, recentemente, o canal de notícias CNN demitiu toda a equipe de ciência e meio ambiente.

Perguntados sobre o futuro da profissão, os jornalistas britânicos se mostraram ambivalentes: 56% discordaram que jornalista de ciência seja “uma espécie em extinção”. Mas quase a mesma quantidade (53%) não acredita que o número de jornalistas científicos no Reino Unido vá aumentar nos próximos dez anos.

Um último porém: a pesquisa excluiu freelancers e jornalistas independentes. Como observou parte do público presente ao seminário, talvez esses profissionais tivessem apresentado uma visão mais otimista do futuro do jornalismo de ciência no Reino Unido.

Barbara Axt
Especial para a CH On-line/ Londres
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